Entre dois extremos

O pêndulo político da América Latina volta a balançar entre direita e esquerda. Quem está no meio fica sem espaço. O enfraquecimento dos partidos tradicionais e o quase desaparecimento do centro democrático é um dos traços da onda que hoje varre o continente.

O fenômeno aconteceu no Brasil em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro. Deu-se no Chile, com a eleição da esquerda de Gabriel Boric. E agora chega a vez da Colômbia.

Lá, com um candidato vai ao segundo turno com um discurso anticorrupção, antipolítica e contra o globalismo. Populista de direita, Rodolfo Hernández, segundo colocado na eleição colombiana para presidente, não possui estrutura partidária e nem programa de governo. O mesmo que ocorreu no Brasil quatro anos atrás.

O “Bolsonaro de Macondo” ou o “Trump Tropical”, como Hernández vez sendo chamado, é mais um fenômeno do intenso uso das redes sociais em uma disputa presidencial.

Por meio de vídeos curtos e mensagens diretas no TikTok, em menos de dois meses saltou dos 10% das intenções de voto para quase 29% do votos válidos, roubando a festa do primeiro colocado, o ex- guerrilheiro do M-19 e ex-prefeito de Bogotá, Gustavo Petro. Em comum eles têm apenas o fato de representarem, pela direita e pela esquerda, o voto anti-establishment. Com a passagem dos dois para o segundo turno, chega ao fim a era do “urubismo” que levou ao revezamento do poder entre Álvaro Uribe, Manoel de Los Santos e Ivan Duque.

Naufragou também a tentativa de uma terceira via, que obteve menos de 4% dos votos. Coincidência, ou não, desempenho idêntico ao de Geraldo Alckmin em 2018.

Não deixa de ser uma certa imprecisão caracterizar Petro como um postulante antissistema. Desde que o M-19 abandonou a luta armada na década de 90, o candidato da esquerda entrou no jogo político. Elegeu-se senador, prefeito da capital e pela terceira vez é candidato a presidente.

Desde o início da campanha, Gustavo Petro liderou as intenções de voto e, pela primeira vez na Colômbia, a esquerda disputa a eleição com chances reais de chegar ao poder. Já tinha um script para o segundo turno. Seria o candidato antissistema imaginando que seu adversário seria Federico Gutierrez, das forças políticas tradicionais.

Não estava preparado para enfrentar alguém que também se apresenta contra o sistema e que, pela via do voto, é o “que se van a todos”, como Bolsonaro em 2018. Petro diz acreditar que os colombianos não se suicidarão, elegendo um populista de direita que “já elogiou Adolf Hitler” e depois disse que se confundiu porque queria elogiar Albert Einstein. Pasmem, seu antídoto para tamanho absurdo foi dizer que é um homem de pouca cultura.

O favoritismo de Petro começa a escorrer pelos dedos porque a tendência é de que tanto a direita liberal de Manoel de Los Santos como a direita conservadora de Uribe descarreguem seus votos no populista Hernández, algo semelhante ao que aconteceu no Brasil com a eleição de Bolsonaro. No caso da Colômbia, o sentimento anti-esquerda é reforçado pelas guerrilhas do passado, como a das Farcs – um trauma ainda não cicatrizado.

Gustavo Petro pode até ter razão quando vaticina que seria um suicídio eleger seu opositor. Se eleito, seriam imensas as chances de Hernández realizar um governo caótico e ter de se render às forças políticas tradicionais. Remotíssima a possibilidade de, sob seu comando, a Colômbia se livrar das chagas da violência e da corrupção e encontrar os caminhos da conciliação.

Mas também nada assegura que o candidato da esquerda consiga unir a Colômbia por meio de um programa realista e factível. Nos últimos anos moderou suas posições estando hoje mais próximo de uma esquerda tipo Gabriel Boric, distanciando-se da experiência venezuelana.

Os colombianos deveriam dosar o otimismo e olhar para a experiência recente do Chile e do Peru. No caso chileno, dois meses depois de sua posse, o governo de Gabriel Boric provoca frustrações e já amarga desaprovação de 53%. Sua popularidade está sendo corroída pela inflação na casa de dois dígitos, mas também por não conseguir responder às expectativas.

A duras penas Boric está descobrindo que governar é um ato difícil. O choque de realidade o levou a adotar medidas na direção contrária às de suas promessas eleitorais, como a remilitarização da Araucária, em função de conflitos violentos promovidos pelos mapuches, povo indígena a quem o então candidato de esquerda prometeu autonomia em sua área.

No Peru, a frustração é com o governo do esquerdista Pedro Castilho, um outsider que chegou ao poder há menos de um ano. Desde então o país vive em meio ao caos, com o presidente decretando estado de sítio na capital. Em menos de oito meses no poder, Castilho já se deparou com dois processos de impeachment e enfrenta a oposição de caminhoneiros, agricultores e de parte expressiva da base de esquerda que o elegeu.

No rol de experiências de esquerda mal sucedidas está também a Argentina de Alberto Fernandez, cujo governo é rejeitado por mais de 70% dos argentinos. O peronismo está rachado entre o presidente e sua vice Cristina Kirchner, principal liderança dos peronistas.

Há uma lição a ser tirada dos fracassos tanto de governos populistas autoritários como de governos populistas de esquerda. A polarização esquerda-direita é um fato, mas ela não resolveu os problemas crônicos da América do Sul, que, mais cedo ou mais tarde, terá de buscar outros caminhos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1º/6/2022. 

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