Ou Lula ou o horror (4)

Uma entrevista do empresário Guilherme Leal, co-fundador da Natura, uma das lideranças empresariais mais engajadas na questão ambiental, candidato a vice na chapa de Marina Silva à Presidência da República em 2010, e um artigo de dois pesquisadores, Raoni Rajão e Simon Lobach, escancaram o que foi afirmado no volume 2 desta série de textos e compilações aqui: além de uma ameaça à democracia brasileira, Jair Bolsonaro é uma ameaça ao meio-ambiente e ao planeta.

“Eu acho que um segundo mandato (para Bolsonaro) é perigoso”,  afirmou Guilherme Leal, em entrevista publicada no Estado de S. Paulo no domingo, 9/10.

“O governo atual não tem se mostrado, ao longo destes quatro anos, comprometido com a democracia e com o diálogo. Educação, que é outra base do que falo… Nós tivemos quatro ministros, sendo que vários foram alvos de acusações. Na questão ambiental, (o governo) foi na contramão. Por mais que o negacionismo imperasse, os satélites mostram como disparou o desmatamento. E o desmanche institucional do Ibama e de todos esses organismos que deveriam zelar pela preservação e pela aplicação das leis. Noventa por cento do desmatamento que nós temos (no Brasil) é ilegal, isso está provado. A verdade é que esse governo desmanchou a estrutura que poderia fazer com que a lei fosse cumprida. A criminalidade hoje é um problema seríssimo na Amazônia. As condições de segurança, todos os estudos mostram que crime organizado chegou lá, o garimpo ilegal e tantas outras coisas. Hoje realmente a situação está bem pior do que era cinco ou seis anos atrás.”

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“Desde 2019, (…) Bolsonaro tem buscado regularizar a mineração ilegal, mesmo em terra indígena, ativamente destruindo a capacidade de atuação do Estado contra os crimes ambientais”, afirmam em seu artigo publicado no Globo desta quinta-feira, 13/10, os pesquisadores Raoni Rajão e Simon Lobach. “O resultado? A taxa de desmatamento provocado pelo garimpo saltou de 85 quilômetros quadrados em 2018 para 121 quilômetros quadrados em 2021, enquanto 31% do ouro produzido no Brasil tem evidências de irregularidades.”

E sintetizam: “Uma coisa fica evidente: o candidato que trabalha com mais afinco para transformar o Brasil numa Venezuela em temas ambientais não é Lula. Portanto o verdadeiro embate na Amazônia nunca foi da esquerda contra a direita, ou vice-versa. Mas sim da democracia contra o autoritarismo, da ciência contra o negacionismo, da conservação contra a destruição, da defesa dos direitos humanos contra o genocídio.”

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Aqui vão alguns trechos da entrevista do empresário Guilherme Leal aos repórteres Fernando Scheller e Fernanda Guimarães. Em seguida, vai a íntegra do artigo dos dois pesquisadores. (Sérgio Vaz)

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“É perigoso um segundo mandato para Bolsonaro”

O empresário Guilherme Leal fala ao Estadão.

P: O sr. tem uma história de trabalho na pauta da sustentabilidade. Estamos em uma encruzilhada em relação a este tema?

R: Eu acho que tem uma oportunidade fantástica para o Brasil, mas o País deixou de ser protagonista nos acordos climáticos para se tornar um pária (na questão ambiental). Isso pode nos tirar do bonde da história. Temos uma oportunidade única porque temos o melhor e mais importante capital natural do planeta. Podemos ser uma potência econômica, ambiental e agrária. Mas nós estamos em uma política totalmente contrária, de dilapidação do capital natural, uma apropriação por poucos que não gera prosperidade: garimpo, grilagem e desmatamento. É uma apropriação por poucos que gera pobreza e miséria para muitos.

P: E como mudar essa agenda?

R: Ainda em 2010 (ano da eleição em que Guilherme Leal foi vice na chapa de Marina Silva), a gente já tentava colocar isso na agenda. Eu acho que os candidatos da época, Lula e José Serra, estavam olhando para trás naquele momento, embora tanto o governo do FHC quanto os governos do Lula tenham sido bons. Desde aquele momento já se tinha a ideia de olhar nosso patrimônio natural e investir em educação, que pode se transformar em ciência e tecnologia e, posteriormente, em riqueza a ser distribuída.

P: Mas o sr. acha que a preocupação com o meio ambiente se reflete na sociedade? O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi eleito deputado federal, apesar de uma gestão muito criticada na pasta.

R: O que a gente vê nas pesquisas é que o brasileiro é majoritariamente contra o desmatamento. Mas então qual é o fenômeno que fez isso (a eleição de Salles) acontecer? Acho que tem uma visão, em uma parcela relevante da população, de que ser a favor do agronegócio significa ser a favor do desmatamento. É uma visão que eu considero equivocada. Eu acho que o agronegócio e a conservação inteligente deveriam ser parceiros, pois é claro que a chuva que rega o agronegócio depende da integridade da Amazônia. Além disso, o trânsito do Brasil no comércio internacional depende de uma política responsável de meio ambiente.

P: Então, voltando ao foco na sustentabilidade, sua escolha de voto é óbvia?

Eu acho que é. Já tomei a minha decisão, porque o governo atual não tem se mostrado, ao longo desses quatro anos, comprometido com a democracia e com o diálogo. Educação, que é outra base do que falo… Nós tivemos quatro ministros, sendo que vários foram alvos de acusações. Na questão ambiental, (o governo) foi na contramão. Por mais que o negacionismo imperasse, os satélites mostram como disparou o desmatamento. E o desmanche institucional do Ibama e de todos esses organismos que deveriam zelar pela preservação e pela aplicação das leis. Noventa por cento do desmatamento que nós temos (no Brasil) é ilegal, isso está provado. A verdade é que esse governo desmanchou a estrutura que poderia fazer com que a lei fosse cumprida. A criminalidade hoje é um problema seríssimo na Amazônia. As condições de segurança, todos os estudos mostram que crime organizado chegou lá, o garimpo ilegal e tantas outras coisas. Hoje realmente a situação está bem pior do que era cinco ou seis anos atrás.

P: O sr. circula internacionalmente, por causa da Natura, que é uma empresa global. Mudou muito a imagem do Brasil de dez anos para cá?

R: Mudou muito. O Brasil já foi o País de uma Bossa Nova, de uma seleção de futebol maravilhosa que encantou o mundo, do jeito amável do brasileiro… Agora as pessoas criticam o presidente, dizem “como vocês fazem isso?” ou “vocês estão acabando com a Amazônia, tocando fogo em tudo”. E também se fala para esperar mudar de governo, porque do jeito que está não dá para conversar (sobre a agenda ambiental).

P: Uma mudança na agenda ambiental pode trazer dinheiro novo para o Brasil?

R: Não tenho dúvida de que uma mudança na orientação política sobre a questão ambiental (traria recursos), temos de restabelecer esse protagonismo. O fluxo de capitais que a gente pode atrair é relevante, mas precisa do mínimo de confiabilidade nas instituições e nos projetos. Acredito que mudando esse governo isso viria a acontecer.

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Na Amazônia, o Brasil já é uma Venezuela

Por Raoni Rajão e Simon Lobach, O Globo, 13/10/2022

O presidente da República declara como prioridade a mineração em terras indígenas na Amazônia. Quando os impactos destrutivos dessa política se tornam aparentes, a comunidade internacional reage, e a ONU lança um informe denunciando o desrespeito aos direitos das populações indígenas e o impacto ambiental. O representante do país na ONU critica o relatório, chamando-o de uma ameaça à soberania nacional.

Engana-se quem achou que o parágrafo acima descreve eventos ocorridos no Brasil. Trata-se da nossa vizinha, a Venezuela, onde em 2016 o presidente Nicolás Maduro anunciou o Arco da Mineração, um ambicioso projeto de atração de investimentos em mineração e regularização do garimpo ilegal de ouro, diamantes e outros minerais numa imensa área da Amazônia venezuelana.

Apesar de prometer a geração de “riqueza social”, o Arco da Mineração fracassou em atrair investimentos necessários para a retomada da mineração e da siderurgia industrial no país. Houve, em vez disso, uma explosão do garimpo ilegal, enquanto quase toda a gasolina que chega à Amazônia venezuelana é queimada nas máquinas com dragas usadas pelos garimpeiros. Com isso a população de cidades como Ciudad Guayana sofre com a falta de energia, empregos formais e transporte.

O garimpo também provocou uma explosão da violência na região, hoje controlada por grupos armados — milícias, facções criminosas e até guerrilhas colombianas. A ONU relata a extorsão e a morte de trabalhadores, meninos de 9 anos trabalhando no garimpo e meninas traficadas para prostituição. Em reação, os países europeus deixaram de importar minerais venezuelanos. Com isso, aumentou o tráfico ilegal de ouro da Venezuela para o Brasil em pequenos aviões, para ser devidamente “lavado” e exportado.

Os indígenas venezuelanos são a população que mais sofre com o garimpo ilegal. Não somente sua saúde é impactada pelas novas doenças e pelo uso incontrolado de mercúrio, mas também perdem o acesso a suas terras por meio de grupos violentos. Portanto não é só das políticas econômicas de Maduro que foge um número crescente de indígenas venezuelanos em direção ao Brasil, mas também das políticas ambientais a favor do garimpo ilegal.

Desde 2019, o Brasil vem testando a mesma receita. Bolsonaro tem buscado regularizar a mineração ilegal, mesmo em terra indígena, ativamente destruindo a capacidade de atuação do Estado contra os crimes ambientais. O resultado? A taxa de desmatamento provocado pelo garimpo saltou de 85 quilômetros quadrados em 2018 para 121 quilômetros quadrados em 2021, enquanto 31% do ouro produzido no Brasil tem evidências de irregularidades.

Claro que o Brasil não é a Venezuela, e Bolsonaro não é Maduro. Mas uma coisa fica evidente: o candidato que trabalha com mais afinco para transformar o Brasil numa Venezuela em temas ambientais não é Lula. Portanto o verdadeiro embate na Amazônia nunca foi da esquerda contra a direita, ou vice-versa. Mas sim da democracia contra o autoritarismo, da ciência contra o negacionismo, da conservação contra a destruição, da defesa dos direitos humanos contra o genocídio.

* Raoni Rajão é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador no Wilson Center, e Simon Lobach é doutorando no Instituto de Pós-Graduação de Estudos Internacionais e do Desenvolvimento (Suíça) e pesquisador visitante na Universidade Federal do Pará.

13/10/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Ou Lula ou o horror”.

A série não tem periodicidade fixa.

O Brasil conseguiu formar uma frente ampla pela democracia. (3)

Com seu incansável incentivo à devastação da Amazônia, Bolsonaro é uma ameaça ao planeta. (2)

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