Ou Lula ou o horror (3)

Sim, é verdade: o Brasil conseguiu formar uma frente ampla pela democracia.

Não é uma questão de esquerda contra direita. É democracia contra ditadura, civilização contra a barbárie.

Não é um empreendimento fácil formar uma frente ampla, juntar díspares, pessoas que durante anos foram antagônicas, adversárias, que se criticaram muitas vezes duramente. Que se xingaram de nomes feios e expressões exageradas ou abertamente inverídicas – “neoliberal”, “herança maldita”.

De forma alguma é fácil juntar, por exemplo, a ex-ministra, deputada recém-eleita e ambientalista Marina Silva, da Rede Solidariedade, e a ex-ministra, senadora e pecuarista Kátia Abreu (Progressistas). Ou Aloízio Mercadante (PT), que tantas críticas fez ao Plano Real, e os economistas Pedro Malan, Persio Arida, Armírio Fraga e Edmar Bacha, que criaram e ajudaram a implantar o plano.

Não é fácil, de forma alguma, mas o Brasil, felizmente, já conseguiu formar frentes amplas pela democracia. Depois da implantação da ditadura de 1964 – a que Jair Bolsonaro sempre defende com unhas e dentes –, os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart se uniram a seu inimigo figadal Carlos Lacerda, que havia ajudado os golpistas mas acabara sendo cassado pelo regime.

Em 1984, no maior movimento popular que já houve na História do país, políticos dos mais diversos partidos e tendências se reuniram numa gloriosa frente ampla – com o apoio de artistas, esportistas, associações de classe, instituições – na campanha pelas Diretas-Já. Franco Montoro, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola…

Não vieram as Diretas-Já – mas a campanha foi fundamental para ajudar a garantir o fim da ditadura militar, após 21 longos e horrendos anos.

E agora vemos esta nova frente ampla unida em torno da chapa Lula-Alckmin para impedir que o país tenha mais quatro anos de desgoverno de Jair Bolsonaro.

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Não é esquerda contra direita, é preciso lembrar sempre. É democracia contra ditadura, civilização contra a barbárie.

Nos últimos dias, faltando pouco mais de duas semanas para o segundo turno das eleições, o bolsonarismo trouxe de volta a ameaça de mexer na composição do Supremo Tribunal Federal. “Ampliar o STF equivale a sabotar regime democrático”, lembrou O Globo no título de editorial nesta quarta-feira, 12/10:

“É tão previsível quanto inaceitável a proposta que emana das hostes bolsonaristas, em plena campanha eleitoral, de aumentar o número de ministros no Supremo Tribunal Federal (STF). Não passa de uma tentativa desavergonhada de aparelhar a mais alta Corte do país, onde o atual governo tem sofrido sucessivas e doloridas derrotas, para controlar suas decisões. O ‘empacotamento’ de tribunais superiores é a marca de ditaduras e autocracias. (…) Os casos mais escandalosos estão nos países onde houve maior retrocesso da democracia nas últimas décadas: Polônia e Hungria (governadas pela direita) e Venezuela chavista (governada pela esquerda).”

Por enquanto, essa ameaça do bolsonarismo é só tentativa de chantagem – o próprio Bolsonaro disse que, caso os tribunais superiores “baixem a temperatura”, ele deixa para lá essa idéia de aumentar o número de ministros.

Mas dá perfeitamente para imaginar o que viria em um segundo período de desgoverno bolsonarista. Nos três países citados – Polônia, Hungria e Venezuela –, os líderes autocráticos esperaram a reeleição para avançar contra os pilares da democracia.

É tudo premeditado e encadeado, como diz Vera Magalhães em seu artigo no Globo desta quarta-feira: “Não brotaram por geração espontânea, devido ao resultado do primeiro turno, nem são fenômenos estanques os ataques do presidente Jair Bolsonaro e de sua tropa eleita ou reeleita aos institutos de pesquisas, às urnas eletrônicas e ao Supremo Tribunal Federal (STF). São coordenados, encadeados e premeditados. Atendem a uma estratégia clara — e eficiente — de minar a confiança da população em instituições e em instrumentos de informação imprescindíveis na democracia.”

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É por tudo isso que o Brasil conseguiu, nas últimas semanas, esse feito tão difícil quanto importante que é formar uma frente ampla.

Políticos das mais diferentes origens se uniram a favor do voto na chapa Lula-Alckmin – assim como cientistas, artistas, economistas, juristas.

Ainda antes da realização do primeiro turno, sete ex-ministros da Justiça anunciaram apoio a Lula: Eugênio Aragão, José Carlos Dias, José Eduardo Cardozo, José Gregori, Luiz Paulo Barreto, Miguel Reale Jr. e Tarso Genro.

Cinco ex-ministros do STF igualmente se manifestaram a favor do voto em Lula contra a ameaça do bolsonarismo à democracia: Nelson Jobim, Joaquim Barbosa, Carlos Velloso, Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence.

Carlos Velloso, que deixou a Corte em 2006, disse em nota no dia 28/9: “Diante das ameaças do candidato Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, especialmente contra as urnas eletrônicas, reconhecidas aqui e no exterior como seguras e confiáveis, o que redunda em ameaça ao Estado Democrático de Direito, meu voto no próximo domingo será para o Lula.”

Celso de Mello, que por vários anos foi o decano do Supremo, até atingir a idade limite e se aposentar, publicou na segunda-feira, 10/10, esta nota:

“A nossa experiência histórica têm revelado que a ideia de modificar a composição numérica do Supremo Tribunal Federal surgiu em períodos de exceção, sempre sob a égide de ordens autocráticas e sob o influxo de mentes autoritárias que buscavam sufocar a independência da Corte Suprema, que representa um dos pilares fundamentais em que se assenta o Estado democrático de Direito. Aqueles que visam tal objetivo precisam ser advertidos de que vilipendiar a independência judicial importa em ofensa manifesta ao postulado fundamental da separação de poderes, que representa limitação material explícita ao poder reformador do Congresso Nacional, a significar que qualquer Emenda à Constituição que desrespeite tal princípio mostrar-se-á impregnada do vício gravíssimo da inconstitucionalidade.”

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Frente ampla pela democracia. Ela está aberta a todos os que quiserem. Inclusive, é claro, aos ex-bolsonaristas.

O empresário Paulo Marinho, eleito suplente do senador Flávio Bolsonaro, que abandonou o bolsonarismo faz tempo, pronunciou-se nos últimos dias:

“Quem conhece Bolsonaro como eu vota em Lula. Minha mulher diz que preciso subir a escada da Penha 50 vezes. Como não tenho disposição, acho que não é mais o momento de voto nulo ou branco. Meu lado agora é Lula”.

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O vice-governador de Minas Gerais, Paulo Brant (PSDB), anunciou na terça-feira, 11/10, que, tendo votado em Simone Tebet no primeiro turno, no segundo votará em Lula. Rompido com o governador Romeu Zema (Novo), que vai apoiar Bolsonaro, Paulo Brant, em seu perfil do Instagram, comparou os dois candidatos e, apesar de afirmar que nenhum seria de sua preferência, admite que é Lula quem possui “melhores condições de resguardar o nosso sistema democrático”. “A manutenção das instituições democráticas é o que importa neste momento. Só a democracia pode nos resgatar a esperança de construir uma verdadeira nação, próspera, solidária, justa e pacífica”, afirmou Brant.

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Não é uma questão de esquerda contra direita. É civilização contra a barbárie, é sobrevivência econômica, pragmatismo contra a destruição da natureza. Em vídeo divulgado no Twitter, a senadora Kátia Abreu fez um “alerta ao agronegócio brasileiro”, disse que o voto em Lula é pragmático e não se trata de uma questão ideológica:

“A nossa perda de credibilidade na comunidade internacional chegou ao limite. Somos considerados um país irresponsável no que diz respeito às mudanças climáticas. Peço a você que leia o que está escrito lá fora sobre o governo Bolsonaro e o Brasil. Votar no Lula não é uma ameaça às nossas fazendas e aos nossos negócios. Nesse momento, só ele pode conseguir reverter essa situação caótica junto à União Europeia.”

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A economista Elena Landau, que foi diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização no governo Fernando Henrique Cardoso e coordenou o programa econômico da candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência, declarou na sexta-feira, 7/10, que votará no petista no segundo turno das eleições.

“Meu voto é contra a reeleição de Bolsonaro. Após ver o Congresso Nacional que foi eleito no domingo, é preciso dar um freio a Bolsonaro. É um Congresso conservador e de direita. Com Bolsonaro, essa combinação não é saudável.” Segundo a economista, Lula “é a opção que temos no momento” para impedir a reeleição do atual presidente – que, em sua avaliação, seria prejudicial ao país. “O Brasil escolheu Lula contra Bolsonaro. O Brasil não pode ser um pária no mundo, sem receber investimento, com o risco de o mercado lá fora não colocar o país no radar.”

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Elio Gaspari escreveu em sua coluna no Globo e na Folha de S. Paulo no domingo, 9/10:

“A nota dos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha antecipando seus votos no segundo turno de eleição presidencial é um documento histórico. Teve apenas uma frase de 14 palavras: ‘Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia.’

“Os quatro perderam parte da juventude na ditadura. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (e de Itamar Franco), fizeram o Plano Real, que devolveu ao país o valor da moeda.

Para quem associa ditaduras a desempenhos, vale lembrar que, ao fim de 1984, o regime se acabava com uma inflação de 215% e o país na bancarrota. Em 1996, ao fim do segundo ano do Plano Real, ela estava em 9,6%. (O posto Ipiranga de Jair Bolsonaro fechou 2021 com 10%.)

“É possível que algum deles já tenha votado em candidatos do PT, mas não em Lula. Votarão nele porque defendem a democracia.”

É isso. É exatamente isso.

Não é uma questão de esquerda contra direita. É democracia contra ditadura, civilização contra a barbárie.

12/10/2022

Este post pertence à série de textos e compilações “Ou Lula ou o horror”.

A série não tem periodicidade fixa.

Com seu incansável incentivo à devastação da Amazônia, Bolsonaro é uma ameaça ao planeta. (2)

“Não cabe a opção da neutralidade.” “Voto por uma história de luta pela democracia e inclusão social.” (1)

3 Comentários para “Ou Lula ou o horror (3)”

  1. Eu concordo integralmente com o texto e fico alegre, tão comovida e tão mais bonita por me juntar a todas estas pessoas ilustres e vc. Beijo

Comentário

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