Os camarões e as eleições

O presidente da República engoliu nas férias um camarão sem mastigar e teve o intestino entupido. Eu e um cirurgião gastroenterologista muito meu amigo ficamos admirados, ele mais do que eu, com a explicação do cirurgião oficial do paciente. Como é que pode um camarão pistola passar inteiro pela goela do indigitado, atravessar incólume seu estômago e aninhar-se entre uma volta e outra do intestino, não se sabe se na parte de cima ou já lá embaixo? Não há registro nos anais (ops) da medicina de um caso tão extraordinário.

Ainda estávamos conversando sobre isso quando apareceu agora outro fato inusitado. O tal presidente está furioso porque dois diletos amigos estão dando bordoada nele por terceirizar para o Centrão o governo amado da extrema-direita, tão duramente conquistado pelo voto tresloucado de 2018.

Como se sabe, o Centrão era íntimo do PT naqueles escândalos do mensalão e do petrolão. Como é que pode agora estar comendo pão com leite condensado na mesa de um presidente que se elegeu na base do voto contra o PT a qualquer preço? Isso não é para embrulhar o estômago de qualquer um?

Mas o estômago presidencial parece ser como o das emas do Alvorada. Avestruzes e bodes não fazem muita diferença entre um pedaço de corda e uma latinha de refrigerante para mastigar. As emas só fugiram das caixinhas de cloroquina porque até elas acharam que era demais. O inquilino do Alvorada aceita tudo e mais um pouco para não ficar sem mandato. Com mandato pode sair balançando a pança por aí. Sem mandato, a cadeia é o limite.

Um dos seus ex-amados é seu ex-ministro da Educação, despachado às pressas em 2020 para uma cadeira do Banco Mundial nos EUA para não ir para a cadeia no Brasil. Agora, o ex-amado quer ser governador de São Paulo, e o presidente está furioso porque vai atrapalhar seus planos delirantes de fazer sentar na cadeira do Palácio dos Bandeirantes seu ministro dos Transportes, por quem morre de amores. Nenhum dos dois tem a menor chance de coisa nenhuma, o que torna divertido ver essa turma se engalfinhando por nada.

Não sei o que o outro ex-amado do Itamaraty vai fazer de sua carreira (?), mas andam dizendo que ele pode sair a deputado federal pelo Rio de Janeiro. O Rio, no passado um expoente de inteligência e tino político, hoje é um estado relegado ao fim da fila e deve eleger o Queiroz para deputado federal. Por que não então o Ernesto também? Dotes não lhe faltam para o eleitor médio carioca: é terraplanista, sinófobo e amante de todas as teorias conspiratórias possíveis e imagináveis. Carioca adora uma teoria conspiratória.

Não quero dizer que os paulistas ficam atrás. Os votos dados ao Cacareco, Jânio Quadros, Tiririca, Paschoal, Bananinha e tantos outros não me deixam mentir. Um momento especial desses desarranjos mentais paulistas é o Lula chamar o Alckmin para uma dobradinha inédita, que eu não sei ainda se é deboche ou pesadelo. Claro que não vai dar certo, mas insistem e eu fico pensando onde é que foi parar minha inteligência, após 75 anos de uso, que não consigo entender um tostão sequer, um pixuleco qualquer, dessa história.

Mas tenho um palpite. Velhos idiotas sempre têm um palpite para explicar o inexplicável. O Lula quer tirar o Alckmin do meio do caminho do Haddad para que o Haddad se eleja governador disparado, sem nenhum sobressalto. Tipo Saturno 5 levando a Apolo 11 para a Lua, como revi outro dia num canal a cabo. Um prêmio portentoso pelo sacrifício de 2018. E acha isso tão bom que nem piscou em botar o Alckmin embaixo do braço e sair com ele de seu vice por aí. Não sei se a Gleisi gostou, mas o Rui Falcão não engoliu de jeito nenhum o camarão.

O PT sempre desejou ardentemente o governo de São Paulo. Com essa jogada, o gênio de São Bernardo mata dois coelhos com uma só paulada: tira o Alckmin da corrida em São Paulo e queima o Alckmin em definitivo como terceira via na corrida presidencial. Quando o Alckmin cair na real, será tarde demais. E aí o gênio vai dispensá-lo, como quem joga fora uma laranja chupada. Para Lula não interessa a terceira via, ele quer o confronto polar com o atual presidente, a fim de liquidar a fatura logo no primeiro turno.

Ciro parece que sabe disso. É outro palpite. Minha bola de cristal me diz que ele vai entregar a rapadura. Não agora, mas lá por agosto, setembro. Os votos dele vão todos para Lula. Em troca, ganha um ministério no novo governo do PT. Não, não vai ser o da Economia não! Lula não vai querer deixar o mercado de cabelo em pé. Mas o das Cidades é de bom tamanho.

E Moro, como é que fica? Não fica, oras! E os votos dele não vão para o ex-chefe, que pena! O ex-chefe não soma, só sabe dividir, quebrar, partir em dois, três, quatro etc. Os votos de Moro vão se diluir entre os outros candidatos de centro-direita. Melhor para o Lula, que ganha dele sem jogar.

Mas o maior mistério para mim é o governador de São Paulo empacar nos 2, 3, 4% se tanto, das pesquisas eleitorais. Fez tudo direitinho na pandemia, salvou centenas de milhares de vidas com o Butantã e a Coronavac, encheu o Brasil de esperança, não perdeu um pontinho sequer do PIB paulista durante todo o ano passado, e não decola. Fico pensando se não é melhor ele trocar a calça apertada por uma bombacha. Tem umas bem maneiras. Seu rival no PSDB deve conhecer os melhores endereços no Rio Grande do Sul.

Para terminar, vem o Mourão 4 estrelas se oferecendo para ser vice do capitão, sabendo que o capitão está pelas tampas com ele já faz tempo. Como é que pode! Aliás, não se ouviu mais falar das obrigações do vice para salvar a Amazônia, que é o que interessa para o Brasil e o mundo. Enfim, são muitas as incertezas. O Brasil não é para principiantes. O que eu sei mesmo, com certeza, eu e meu médico, é que camarões não podem chegar inteiros ao meio das tripas.

Tem coisa aí…

Nelson Merlin é jornalista aposentado, desocupado e desconfiado.

Janeiro de 2022

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