O centro terá de se reinventar

Com o país praticamente dividido ao meio, conforme ficou evidenciado na vitória apertada de Lula, surgem fortes indagações se ainda há espaço para uma força pautada na moderação, situada entre a extrema-direita e a esquerda. Se for levado em consideração o desempenho das forças de centro no primeiro turno, o receio é enorme, em função de sua desidratação no Parlamento e do desempenho pífio, em termos de voto, de seus presidenciáveis.

O grau de ceticismo, contudo, deve ser contrabalançado por algumas vitórias obtidas no segundo turno, – caso das eleições de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul e de Raquel Lyra em Pernambuco – e em particular pela projeção de Simone Tebet como uma liderança nacional emergente. Simone já tinha saído da primeira etapa maior do que quando entrou na disputa presidencial. E voltou a marcar posição ao se jogar de corpo e alma na campanha de Lula, sem perder sua identidade.

O balanço global, claro, não autoriza leituras otimistas, há muitos obstáculos no caminho para o centro se reorganizar. Mas as pedras se movimentam e ainda que em estado embrionário os partidos que se uniram na candidatura de Simone Tebet – MDB, PSDB e Cidadania – iniciaram negociações para a constituição de uma federação partidária, encorpada ainda pelo Podemos. Essa posição é esposada pelos presidentes dos quatro partidos, mas também por Eduardo Leite, que vai mais além.

O governador do Rio Grande do Sul defende a fusão, com as quatro legendas dando origem a um novo partido, a exemplo do que aconteceu com a fusão do DEM e do PSL, da qual surgiu o União Brasil. Há nesse movimento muito instinto de sobrevivência. Isolados, os partidos de centro terão peso pequeno no jogo parlamentar, a começar na composição da mesa na Câmara e nas comissões. O MDB, que elegeu 42 deputados, ainda será levado em consideração, mas os outros três partidos serão residuais.

Para além do pragmatismo, há razões políticas para a superação do processo centrífugo e autofágico vivido pelo centro nos últimos quatro anos. Especialmente pelo PSDB, que hoje se encontra sem condições de liderar o processo. A crise da chamada terceira via deveu-se ao fato de, em muitos momentos, ter se desvirtuado. Voltar a se colocar no campo claramente democrático é pré-condição para sua reorganização.

Mas o centro terá de se reinventar enfrentando uma nova dúvida shakespeariana: ser oposição ou apoiar – e até participar – do governo Lula? Conseguirão os quatro partidos ter uma posição unitária em relação a essa questão?

A resposta a qual dos dois caminhos seguir só será possível quando ficar mais claro os rumos e a composição do governo Lula, sobretudo qual será sua política econômica. Historicamente, essa sempre foi uma das grandes divergências entre os partidos do centro, com sua visão mais liberal da economia, e a esquerda, com sua concepção mais intervencionista.

De qualquer maneira, há riscos nas duas alternativas. Caso opte por ser oposição, o centro pode se transformar em linha auxiliar do bolsonarismo, que fará uma oposição aguerrida a Lula. Não se pode subestimar o fato de parte das bancadas eleitas dos quatro partidos terem apoiado Jair Bolsonaro no segundo turno. Ou seja, há cavalos de Tróia infiltrados nessas legendas.

Mas também há risco de ser engolfado e perder sua identidade, na hipótese de participação no governo Lula. A própria Simone Tebet não está isenta de tal risco, caso deixe de ter luz própria ao ingressar no governo Lula. Sem um ministério que lhe dê visibilidade e se não conseguir manter sua identidade, pode jogar ao mar o capital político que acumulou.

Quanto mais o governo Lula se direcionar ao centro, como as primeiras sinalizações indicam, mas tênue será a linha divisória com os partidos da terceira via. Além do mais, seria esquizofrênico fazer oposição a um governo no qual Simone tenha papel de destaque. Talvez ela própria sonhe com a possibilidade de ser a candidata em 2026, com o apoio de forças governistas. A conferir se o Partido dos Trabalhadores teria a generosidade de permitir tal hipótese.

Como 2026 é puro exercício de futurologia, o centro democrático deveria concentrar seus esforços na sua reinvenção, adotando uma postura de independência ao governo, como sugeriu o cientista político José Álvaro Moisés.

Apoiar o governo em questões concretas não representará submissão e o centro não pode abdicar do espaço existente na sociedade para a moderação e a conciliação, valores que fizeram o Brasil avançar em muitos momentos de sua história.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 9/11/2022. 

 

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