Nos meus tempos de colégio, lá se vão 60 anos ou mais, tinha um pessoal que contestava a Ciência. Sem nenhum fundamento, na grande maioria das vezes. Muitos faziam isso de brincadeira, outros pareciam estar convictos. Vou dar exemplos.
Ninguém sabia por que a Terra e outros planetas e estrelas são redondos. Logo, se não sabemos por que são redondos, nada impede que outros ou mesmo todos possam ser planos. Começava então uma grande discussão que logo descambava para a Religião. O colégio era de padres. Teimar com eles era uma diversão. Diziam: se não há prova da existência de Deus, então Deus não existe. Outra: se não posso provar que Deus NÃO existe, então ele existe ou pode existir. Era divertido.
Um dia, um padre inteligente se cansou e matou a pau: se alguém disser que tem uma bolinha de gude em órbita da Lua, vocês vão pedir uma prova? O pessoal respondeu que não, que isso era impossível. Então, continuou o padre, se vocês não podem provar que não existe bolinha de gude em órbita da Lua, isso quer dizer, segundo vocês, que ela existe ou poderia existir. E agora?
A turma ficou sem resposta.
O padre era professor de filosofia no Clássico e sabia das coisas. Silogismo e sofismas eram a especialidade dele. Para quem não sabe, Clássico era o curso do Segundo Grau que antigamente, muito antigamente, os alunos que saiam do ginásio (outra antiguidade) escolhiam para seguir carreira nas ciências humanas, entre elas advocacia, filosofia, psicologia, letras etc. Já o Científico era para a turma das ciências exatas. Mas as mentes inquietas ou gozadoras nadavam nas duas correntes. E silogismo, para quem também não sabe, é uma forma de raciocínio que tem por base uma premissa da qual se extraem conclusões falsas ou verdadeiras, mas lógicas ou aparentemente lógicas. Nem tudo que parece lógico é verdadeiro, e o inverso também.
Silogismo e sofismas são uma vereda fascinante e essas lembranças me ocorreram agora ao ler, estarrecido, as conclusões do Ministério da Defesa brasileiro sobre o resultado das eleições de outubro e as urnas eletrônicas, subitamente erigidas a símbolo das forças do mal pela extrema direita tupiniquim.
O relatório, submetido ao crivo do TSE após um suspense que durou semanas, é uma peça de teatro em dois tempos: na estreia, diz que as eleições foram irretocáveis e não há do que reclamar; no dia seguinte, porém, o Ministério da Defesa deve ter sofrido com um chilique do chefe supremo à meia-noite e urinou para trás – para usar o termo mais educado.
Disse, para espanto geral de metade da nação que ainda tem os miolos na cabeça, que o fato de não ter encontrado nenhuma inconformidade não quer dizer que não houve fraude! Precisava que o padre Ernesto saísse de seu caixão funerário e matasse a pau os milicos, da mesma forma que o fez nos idos de 1960 com seus alunos desarmados.
Custa crer que as raízes comtianas positivistas do Exército brasileiro tenham parido tal coisa. Não faz jus a Augusto Comte, sereno racionalista francês que embasou revoluções republicanas aqui, nos Estados Unidos e em outras partes, ao longo do século XIX. Parece que de Conte restou pouca coisa, numa instituição cuja vocação para golpes de estado recheou o século 20 de ditaduras, em ciclos que se iniciaram com Deodoro em 1889 e só acabaram com João Figueiredo em 1986, quando este entregou a rapadura pedindo que o distinto público o esquecesse para sempre.
Está aí, aliás, um bom conselho aos fardados. Que entreguem a rapadura de 2018 em 31 de dezembro e se recolham ao quartel, de onde nunca deveriam ter saído para correr atrás das insanidades de um ex-tenente que o próprio Exército havia posto porta a fora nos anos 80 do século passado.
Ou terá sido ele ungido por eles para ser o protagonista de um bem sucedido golpe em 2018, que acabou saindo pela culatra em 2022? A pergunta é do meu amigo marciano que não me deixa dormir em paz com minhas crenças terráqueas, entre elas a de que o impeachment da Dilma não teve intenção golpista e que o general Villas Bôas não tinha nada com isso.
Tinha, sim, diz o marciano. E por isso ele soltou aquela nota para ameaçar o STF no julgamento da prisão em segunda instância. Foi tudo de caso pensado, ele queria que o Lula fosse preso para ficar fora da campanha de 2018.
Seeeeráááá????
Nelson Merlin é jornalista aposentando e incrédulo.