Eppur si muove!

No mesmo dia em que os jornais de todo o mundo publicavam páginas sobre a perda da Rainha Elizabeth II, a última das grandes personalidades públicas do pós-Guerra, duas informações serviram para mostrar que, apesar de tudo, apesar de tantos desacertos, tantos erros, tantos problemas, tantos trumps, bolsonaros, orbans e putins, a civilização caminha.

Ao longo dos 70 anos de seu reinado, a Rainha Elizabeth concedeu perdão apenas a três pessoas, como lembrou em artigo do jornalista Pedro Doria publicado nesta sexta-feira, 9/9, no Globo e no Estado de S. Paulo.  Uma dessas três foi o cientista Alan Turing, o herói nacional e mundial. inventor de uma máquina – a mãe do computador – capaz de desvendar códigos nazistas que, segundo estudiosos, encurtou em cerca de dois anos a Segunda Guerra Mundial, poupando mais de 14 milhões de vidas. Em 1952, no entanto, Alan Turing foi preso pelo crime de ser homossexual e obrigado a se submeter a tratamento hormonal, algo próximo da castração química. Era, como lembra Pedro Doria, “um homem atlético, corredor, um tanto vaidoso”. Amargurado, deprimido, se matou em 1954.

(A trágica e inacreditável história de Alan Turing foi contada em um filmaço, O Jogo da Imitação/The Imitation Game, de Morten Tyldum, de  2014.)

Homossexualidade foi crime na Inglaterra até meados dos anos 1960. Os Beatles e os Rolling Stones já eram famosos em todo o mundo e a homossexualidade continuava sendo crime. Brian Epstein, o cara que  foi fundamental para os Beatles na escalada da fama, poderia ter sido preso acusado do crime de sodomia.

Elizabeth II concedeu um dos seus três únicos perdões reais a Turing. (Os outros dois foram dados a detentos no País de Gales que tiveram suas penas reduzidas depois de salvarem um funcionário da penitenciária que havia sido atacado por um javali.) Foi um perdão póstumo – mas foi também um gesto cheio de significado, como assinala Pedro Doria em seu artigo.

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A segunda informação que veio à baila nesta sexta-feira foi publicada no UOL. Transcrevo o resumo publicado na excelente newsletter Meio:

“Exibido em 180 países (no Brasil pode ser visto na TV Cultura e no Discovery Kids), a série de animação infantil britânica Peppa Pig quebrou uma barreira ao levar ao ar, na última terça-feira, um episódio com uma família formada por um casal do mesmo gênero. Chamado Famílias, o episódio traz a filhote de urso-polar Penny dizendo: “Eu moro com minha mãe e minha outra mãe. Uma mãe é médica e uma mãe cozinha espaguete. Eu amo espaguete.” A família de ursas foi criada após uma petição, iniciada nos EUA em 2019, com quase 24 mil assinaturas, demandar a inclusão de famílias não convencionais, de forma que os filhos desses lares não se sintam alienados. Peppa Pig vai ao ar desde 2004 e é voltado para crianças de 2 a 5 anos. (UOL)”

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Eppur si muove.

Em 1954, uma das inteligências mais brilhantes do século se matou por ter sido condenado pela Justiça inglesa pelo crime de homossexualidade.

Em 1997, no funeral da princesa Diana, na Abadia de Westminster, a Basílica de São Pedro da Igreja Anglicana, Elton John, homossexual assumidérrimo, cantou uma canção feita originalmente para Marilyn Monroe, com letra adaptada por seu parceiro Bernie Taupin para homenagear a “English rose” amiga do artista.

Em 2022, na semana em que Elizabeth II nos deixa, o mundo viu um casal gay na Peppa Pig.

Georges Moustaki se dizia “un optimiste amer, un pessimiste gai”. Também me sinto exatamente assim: um otimista amargo, pessimista alegre. Mas coisas como essas deixam a gente com um estranho gostinho de esperança na boca.

Eppur si muove!

9/9/2022

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