Ensino integral como política de Estado

Darcy Ribeiro, cujo centenário comemora-se no próximo dia 26, foi um visionário na educação. Esteve à frente do seu tempo, como o primeiro gestor brasileiro a transformar o ensino integral em política pública. Até então tínhamos apenas iniciativas isoladas, como a Escola Parque de Salvador, criada por Anísio Teixeira. Ao implantar os Centros Integrados de Educação Pública-CIEPs, no Rio de Janeiro, considerou que o ensino integral era a ferramenta para enfrentar a desigualdade e promover a equidade.

Partiu do pressuposto de que toda a criança tem potencial para se tornar um trabalhador hábil e um cidadão pleno. Era preciso, no entanto, compensar as condições de pobreza em que vivem e a baixa escolaridade de seus pais. Isso seria possível por meio de uma escola ampla, na qual o aluno passasse o dia estudando, e fosse oferecida uma educação holística, de forte conteúdo e diversificada nas suas atividades. Por esse caminho, tornava-se viável unir, em equilíbrio, a formação do ser individual e coletivo, fazendo sua conexão com a realidade e o levando a compreendê-la. Dessa forma o ensino das crianças pobres iria se aproximar daquele das crianças das camadas mais ricas.

Na sua estratégia três elementos eram fundamentais para o sucesso: o envolvimento da comunidade, a formação inicial e continuada dos professores e alimentação de valor nutritivo para os alunos. O Programa Especial de Educação, coordenado por Darcy e responsável pela criação de mais de 400 CIEPs nos dois governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1982-1986 e 1990-1994), investiu fortemente na formação de professores e gestores.

Iniciado em 1983, os CIEPS foram apelidados pejorativamente de “Brizolões” e, em seguida, vítimas de um mal que assola a educação desde os tempos imemoriais: a descontinuidade de políticas públicas quando um novo governo assume. Isso aconteceu na sucessão de 1986 e na de 1994.

Seus críticos diziam que era um programa caro, sobretudo o projeto arquitetônico das escolas. Darcy Ribeiro respondia: “cara é a pobreza, é a miséria”. Ao fim, seu programa educacional foi substituído por uma concepção segundo a qual o pobre só tem direito a uma educação pobre.

O pioneirismo de Darcy ressurgiria com força na primeira década deste século quando, no ano de 2008, em Pernambuco, o governo de Eduardo Campos investiu pesado no ensino integral. Em menos de uma década o Estado, cuja educação ficava bem atrás no sistema de avaliação, deu um enorme salto no ranking do Ideb.

Na segunda década deste século espraiou-se por diversos estados, especialmente em Minas Gerais e São Paulo. Aqui, as escolas de ensino integral saltaram de 364 (6% da rede estadual de ensino) em 2019, para 2.060 (40% do total da rede) em 2022. Em fevereiro do próximo ano, com a autorização do governador Rodrigo Garcia, as aulas começarão com mais 200 escolas neste modelo.

O mundo, e com ele a educação, mudou muito, desde a época do pioneirismo de Darcy Ribeiro. A escola de ensino integral de hoje não é a mesma de sua época. Até porque a sala de aula já não é a mesma daquelas de cadeiras enfileiradas e de aulas expositivas. Hoje elas se dão muito por projetos, e o papel do professor é mais o de um curador do conhecimento do que um simples transmissor de fatos e números. Ao mesmo tempo, o aluno é também protagonista de sua própria aprendizagem e dele se exige que desenvolva habilidades sócio-emocionais para obter sucesso em um mundo cada vez mais complexo.

Evidente, para responder satisfatoriamente às exigências das novas demandas educacionais, a escola tem de ser de tempo integral. E o modelo tem de oferecer aos jovens uma educação mais próxima de sua realidade. Para isso o currículo ficou flexível, adaptado às reais necessidades do aluno e voltado para sua formação profissional e de cidadão.

O Novo Ensino Médio possibilita aos jovens, além dos conteúdos comuns obrigatórios, escolher diferentes itinerários formativos mais adequados à sua vocação, assim como a construção de seu projeto de vida. Além disso, investe nas habilidades sócio-emocionais que farão a diferença para a construção de seu futuro na sociedade.

O ensino integral vai além do que ampliar a jornada diária de aulas de cinco horas para sete ou nove horas. Implica em acolhimento dos alunos, ações de tutoria, dar protagonismo aos grêmios e clubes estudantis, conferir autonomia financeira para as escolas, desenvolver projetos de convivências e de conscientização, cuidar da saúde psicológica dos alunos, e adotar programas sociais, como o que disponibiliza absorventes para as jovens de famílias carentes.

Um dos grandes méritos dos CIEPs foi o de deixar os alunos menos expostos à sedução do crime organizado. As escolas de ensino integral de hoje também contribuem para a diminuição da violência.

A cada nova escola neste modelo, o espírito de Darcy revive e seu legado se materializa.

Para o futuro de nossas crianças e jovens essa educação deve se consolidar em política de Estado. Não pode ser abandonado por injunções políticas, como, infelizmente, aconteceu com a grande obra de Darcy Ribeiro.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/10/2022. 

 

 

 

 

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