Brasil, 200 anos – o eterno país do futuro

Quando aportou pela primeira vez no Rio de Janeiro, o austríaco Stefan Zweig, um dos maiores escritores da primeira metade do século XX, teve um caso de amor à primeira vista com o nosso país. Inspirado pelas ideias de Gilberto Freire, Sérgio Buarque e Roberto Simonsen, escreveu em 1941 o livro Brasil, o país do futuro, que fez a cabeça de muita gente.

Sua tese central era de que estávamos fadados a ser uma potência mundial em virtude de vários ativos de nosso país: unidade linguística e territorial, ausência de grandes conflitos com os países vizinhos, um povo multicolor, conflitos internos resolvidos pela via da conciliação e riquezas naturais imensas.

Stefan Zweig, de origem judaica, deixou a Áustria e viveu por dois anos em Petrópolis, onde, juntamente com sua esposa Lotte, suicidou-se um ano após a publicação do seu livro em vários idiomas. Seu encanto pelo Brasil se deveu ao fato de não ter encontrado aqui o mesmo conflito racial que levou a Europa a ser palco da II Guerra Mundial.

Duzentos anos depois da independência, a concretização do Brasil como uma nação desenvolvida econômica, socialmente justa e com peso no concerto internacional das nações continua sendo projetada para um futuro distante do nosso horizonte.

É verdade, houve momentos em que o futuro parecia estar ao alcance de nossas mãos e o Brasil chegaria a seu destino de grande potência. Entender por que o sonho escapou dos brasileiros é o primeiro passo para finalmente deixarmos de ser o país do futuro para ser o país do presente.

As quatro décadas após a primeira edição do livro de Stefan foram um desses momentos mágicos. Entre 1930 e 1980 a economia Brasileira foi a que mais cresceu no mundo, com a média anual de expansão acima de 6%. Éramos uma nação com crescimento superior à média mundial e dos demais países emergentes. Em 1980 a economia brasileira tinha o status de décima do planeta, com 4,3% do PIB mundial.

De país emergente nos transformamos em país submergente, nos últimos 40 anos. Crescemos menos do que a média mundial ou de outras economias similares. Entre 1980 e 2021 a média anual de expansão do PIB brasileiro girou em torno de 2% e nos últimos 25 anos de 1,1%. Nossa participação no PIB mundial encolheu pela metade nesse espaço de tempo, devendo ser apenas de 2,3% em 2022. Em quarenta anos, o Brasil enfrentou nada menos do que dez recessões!

Perdemos o bonde da história no mesmo período em que a China se afirmou como a segunda economia do mundo e a Coreia deu um salto extraordinário por meio de fortes investimentos na educação básica, na inovação tecnológica e na integração com o mercado mundial por meio da exportação de bens de alto valor agregado.

A imagem do Brasil hoje não é a do Cristo Redentor decolando para o espaço, tal qual a ilustração da revista The Economist, de 2009. Quatro anos depois, a mesma revista deu uma capa com a pergunta “O Brasil estragou tudo?”. Nossa imagem passou a ser a de um gigante que encolheu.

Por trás desse encolhimento há razões históricas, como a profunda desigualdade social – uma herança que vem dos tempos do escravismo -, e nosso atraso educacional, consequência de um sistema excludente de quase dois séculos. Apenas na última década do século XX o Brasil iniciou suas reformas educacionais.

A base do nosso atraso está, contudo, no modelo que turbinou o desenvolvimento entre os anos 30 e 80, pautado na substituição de importações por meio de fechamento da economia, reserva de mercado, financiamento da industrialização via endividamento externo, subsídios e privilégios, e, sobretudo, de forte ativismo e presença do Estado na economia.  O modelo nacional-desenvolvimentista criou uma indústria de base, mas seu parque produtivo teve baixíssima produtividade, voltando-se para o mercado interno, sem competitividade no mercado mundial.

Esse modelo esgotou-se com o advento da Terceira Revolução Industrial, responsável pelo advento da globalização. Ao contrário da Coreia do Sul e da China, o Brasil não conseguiu se inserir nas cadeias globais de forma competitiva, à exceção do agronegócio. Desindustrializou-se e ficou sem um projeto de nação, apesar das tentativas de abertura e modernização da sua economia, das quais o Plano Real foi um marco. Mas afundamos em recidivas do nacional-desenvolvimentismo, como a “nova matriz econômica” dos últimos anos do governo Lula e no período Dilma Rousseff.

Não se trata de ter uma visão catastrofista dos 200 anos de nossa existência como nação independente. O Brasil ingressou no século XXI com uma população dez vezes maior e com uma economia cem vezes maior do que tínhamos no início do século anterior. E mesmo nos últimos 40 anos houve avanços civilizatórios significativos, como redução da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, universalização do ensino básico, a construção do Sistema Único de Saúde e a consagração dos direitos sociais e políticos dos brasileiros em sua Constituição-cidadã.

Nosso país continua detentor dos mesmos ativos que levaram Stefan Zweig a se apaixonar por ele. Até hoje é impossível um visitante não ficar atraído pelo Brasil, como o diplomata austríaco Proskesch-Osten que nos definiu, em 1868: ”um país novo, um porto magnífico, um novo horizonte político, uma terra do futuro, um passado quase desconhecido e uma natureza esplêndida”.

Mas não podemos nos contentar a ser eternamente o país do futuro. É imperioso identificar as alavancas capazes de transformar o nosso presente, para, em sintonia com a nova onda tecnológica, alcançarmos o desenvolvimento sustentado e promovermos crescimento com equidade. Nosso desafio é ingressar no terceiro centenário com uma nova comunhão de destino entre os brasileiros, unidos em torno de um novo projeto nacional.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 31/8/2022. 

 

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