Bolsonaro e o bilionário

O glamour da riqueza sempre encanta, e o homem mais rico do mundo, mesmo sem ter lá muito glamour, deixou a plateia quinto-mundista embasbacada. Na visita da sexta-feira, a encenação foi completa: hotel de luxo, gente elegante, elogios exacerbados do presidente Jair Bolsonaro, que titulou Elon Musk como “mito da liberdade”, e promessas do mega-empresário de inundar o céu brasileiro com satélites de sua Starlink. Não há dúvida de que o encontro foi um golaço para a campanha de Bolsonaro, mas não se pode descartar a hipótese de o regabofe com o bilionário ter o efeito contrário no país da inflação e da miséria.

Na real, nem Bolsonaro nem Musk têm interesse em conectar 19 mil escolas rurais, que minguam ano a ano, ou monitorar a Amazônia, algo que já é feito diligentemente pelo Brasil, mas que o governo desconsidera, ou simplesmente nega, por desgostar dos mapas de desmatamentos crescentes.

Como revelou a jornalista Malu Gaspar, de O Globo, o programa que Musk tenta vender existe por aqui desde 2018, firmado com um concorrente dele, o também bilionário Mark Dankberg, dono da Viasat. O país investiu R$ 3 bilhões em um satélite para conectar 10 mil escolas do Norte e do Nordeste à internet, regiões que, diga-se, estão entre as contrapartidas obrigatórias do serviço 5G licitado em novembro do ano passado. Em bom português, há pouco ou quase nada nessa área que o Brasil já não tenha firmado acordos.

No monitoramento amazônico, menos ainda. A tecnologia Starlink é eficientíssima na conectividade e velocidade, mas não está adaptada para geo-fotografias, tarefa muitíssimo bem executada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Portanto, trata-se de um blefe. Puro papo para inglês – ou melhor, para eleitor desavisado ver.

É legítimo e ótimo para o país que Musk tenha interesses em um sem número de negócios no Brasil – um consumidor voraz de automóveis que não tem indústria de elétricos e o sétimo produtor mundial de lítio, um dos elementos indispensáveis para baterias. Mas conectar isso ao apoio à reeleição de Bolsonaro ou a um crivo ideológico é, no mínimo, forçar a barra. Até porque, como se sabe, lucro não tem ideologia.

Crítico ferrenho da taxação de grandes fortunas defendida pelo presidente Joe Biden, Musk, que sempre votou nos democratas, anunciou na semana passada sua conversão aos republicanos. Tem sido louvado por trumpistas e bolsonaristas depois de propor a compra do Twitter, transação ainda não concretizada e com muitos percalços pela frente.

Do lado de Musk, nada deve acontecer nos próximos meses em relação ao Brasil, até porque ele tem demandas mais urgentes: uma acusação de assédio e queda forte nas ações da Tesla – só no dia do convescote brasileiro, a companhia perdeu 8% -, problemas com matérias primas, com impostos.

Ou seja, é enorme o risco de a boa foto de campanha amarelecer antes mesmo da eleição.

Por aqui, sem qualquer acordo, nem mesmo uma simples cartinha de intenções para negócios com o governo Bolsonaro, quase nada poderá ser feito além da exibição repetitiva e maçante da foto. E como não vão surgir milhares de satélites amazônicos e muito menos escolas rurais conectadas pela Starlink, daqui a pouco a campanha bolsonarista terá de esconder Musk.

Soma-se aí o flanco que se abre para as críticas à educação no meio rural, que amarga redução média de 4 mil escolas por ano, e da educação em geral, um dos piores setores da atual gestão.

Traz à tona os desvios de recursos no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de tablets e de ônibus escolares, além da farra dos pastores amigos do presidente na distribuição de verbas do Ministério da Educação. Temas que Bolsonaro se esmerou para afastar dos holofotes, lançando arroubos diários contra as urnas eletrônicas, integrantes do STF e tantas outras sandices.

Uma coisa é certa: o bilionário e Bolsonaro não estão nem aí para os brasileiros. O primeiro aterrissa onde as possibilidades de ganhar mais dinheiro ditam. O segundo é o pior presidente da História do Brasil, que se diverte em ameaçar a democracia e os códigos de civilidade, que faz o país andar celeremente para trás. E ninguém precisa ser Elon Musk para saber que satélite não orbita em terra plana.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/5/2022. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *