Aponte para cima

Certa vez eu estava andando pelo calçadão da minha cidade quando minha mulher avistou um doido a uns 100 metros de nós. Ela tem um faro apurado para descobrir doidos à distância. O homem seguia ora para frente, ora para trás, de um lado e outro, parando aqui e ali por nada. Ela me puxou pelo braço para nos afastarmos de uma possível trajetória de colisão. Mas não deu outra: quando ele estava a uns 50 metros, vinha direto em nossa direção. A uns 20 metros, ele começou a nos encarar.

Então, parei, segurei firme a minha mulher e apontei com o braço para cima, levantando também a cabeça para o ponto imaginário. O doido parou, surpreso, e começou a procurar o que estava acima de nós e, por lógica, acima dele também.

Existe uma lógica na loucura. É uma sorte. Enquanto ele olhava para cima procurando o que não existia, passamos por ele a passo acelerado. Quando já estávamos afastados, olhei para trás e vi o doido ainda lá, parado, procurando não se sabe o quê no céu azul anil de Londrina.

Falta alguém apontando para cima em Brasília, nas proximidades do Palácio do Planalto ou da Alvorada, ou mesmo no Lago Paranoá. Não se pode deixar o doido trafegando à vontade pelos arredores, ou disparando de jetski pelo lago, sem motivo nenhum, a não ser o de causar.

Aponte para cima, e o doido vai estancar. Vai até dizer que o céu está uma beleza e as nuvens, branquinhas como algodão doce.

Há poucos dias, uma voz apareceu e apontou para cima. Disse, em alto e bom tom, que as eleições eram assunto das Forças Desarmadas da Nação! Se fosse eu, diria também que a democracia não é assunto para os militares debaterem, pois dela pouco entendem, mas para marcharem em ordem unida na defesa intransigente e sem tréguas dos seus princípios e postulados. Democracia para sempre, ditadura jamais – ele chegou a dizer. Mas vou ficar só com a definição emblemática do ministro Edson Fachin: é assunto para as Forças Desarmadas da Nação!

E o que fez o doido, na mesma hora? Parou, olhou para cima e instantaneamente afinou, mansinho como bezerro mamão:

Eu nunca falei em ditadura, só um idiota ia querer de volta isso daí, eu sempre quis a liberdade de expressão. E vamos ter eleição e vamos respeitar a democracia e o resultado… E, num ato falho, sem ter sido indagado a respeito, disse que não vai ter golpe.

Falou também que só na cabeça de um idiota o 7 de setembro do ano passado foi uma manifestação golpista. Para ele, foi a mais pura democracia reunir na avenida uma multidão de doidos como ele para desancar o Judiciário, um dos três pilares da democracia, e exigir a cabeça do ministro Alexandre de Moraes. Por quê? Porque incomodam, ora essa! A turba, seja no Palácio ou no meio da rua, não quer saber do Judiciário por perto. Por que será?

Motivos, como se sabe, não faltam. Não vou gastar meu latim enumerando-os. Todo mundo sabe. A novidade é que a hora de perder a eleição está cada vez mais próxima. E sem cargo eletivo, a raposa vai ser pega dentro do galinheiro sozinha e sem as galinhas.

Não tem coisa mais doida que um louco acuado olhando para o relógio. Mas se a coisa apertar, recomendo, é só apontar para cima.

Nelson Merlin é jornalista aposentado e experiente. 

Abril de 2022

 

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