And the fucking Oscar goes to…

Na cerimônia de número 94 – meu, 94! é uma história longa, uma tradição imensa! –, o Oscar teve um palavrão, algo que sempre foi absolutamente proibido, um tapa na cara de um ator em outro ator que de forma alguma estava no roteiro.

E, muito mais surpreendente do que isso, teve uma decisão da vestusta e tão criticada, tão xingada Academia de premiar não o mais esperado, o filme milionário de grandes atores e diretora reconhecida e até já premiada por ela mesma, e sim um pequeno filme independente, de orçamento baixo, sem astros, de uma diretora jovem e quase desconhecida, Sian Heder.

No Oscar 2022, Davi venceu Golias – essa coisa que os filmes americanos sempre adoraram, o pequeno homem honesto contra o Sistema, as grandes corporações.

Frank Capra, o mais humanista de todos os diretores de cinema, o cara em cujos filmes o pequeno homem honesto ganhava dos bad guys e até mesmo tornava alguns deles seres humanos melhores, deve ter aplaudido a cerimônia, lá da nuvem em que estava sentado vendo o show.

Ataque dos Cães é uma produção de cerca de US$ 40 milhões de dólares; a diretora é a consagradíssima neo-zelandesa Jane Campion, cujo O Piano, de 1993, teve oito indicações ao Oscar, e levou três estatuetas – as de melhor atriz para Holly Hunter, melhor atriz coadjuvante para Anna Paquin, e melhor roteiro original. Tem no elenco grandes nomes: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst. Recebeu a enormidade de 12 indicações.

Diferentemente de Ataque dos Cães, CODA, no Brasil No Ritmo do Coração, foi feito fora dos grandes estúdios. Embora seja uma co-produção EUA-Canadá-França, a rigor é um filme independente. Foi apresentado, em janeiro de 2021, naquele que é o Festival de Cannes do cinema independente, o Sudance Film Festival – e, ali, foi um sucesso incrível.

A partir do Sundance, passou a ganhar prêmios mundo afora. Até a véspera da cerimônia dos Oscars, havia vencido 56 prêmios, fora outras 136 indicações.

No Oscar, no entanto, era apenas um filme independente elogiado pela crítica. Daquele tipo assim: olha, a Academia está se esforçando para ser progressista, simpática, legal; até deu três indicações a esse filme feito para salas de arte, tá legal?

“Salas de arte” é uma expressão que a gente não fala, mas os críticos americanos usam. Muito mais do que em tantos outros países, eles dividem as salas de cinema em theaters e art houses.

Pois então é isso: de maneira imprevista, fantástica, a vetusta Academia, em vez de escolher o candidato mais provável, surpreendeu ao dar o principal prêmio, o Oscar de melhor filme do ano, para uma obra independente, de pequeno orçamento, sem astros e estrelas, dirigido por uma garota jovem, quase desconhecida.

Nesta era de filmes de super-heróis, histórias em quadrinhos, o fucking Oscar went to… um drama familiar. Um filme que fala de pessoas simples, humildes, trabalhadores que não são propriamente abençoados com o sonho americano. E além disso são surdos.

Jane Campion levou o Oscar de melhor direção.  Das 12 indicações, Ataque dos Cães levou apenas uma estatueta, a de melhor direção.

Mas o Davizinho levou todas as três estatuetas das categorias em que foi indicado. Melhor roteiro adaptado para a própria diretora Sian Heder, melhor ator coadjuvante para Troy Kotsur, melhor filme.

Cacete! Parabéns, Academia.

***

Escrevi isso aí acima assim que terminou a cerimônia, para postar logo aqui com aquela sensação gostosa de estar trabalhando em tempo real. Agora, na segunda-feira, vejo no Facebook muitas críticas a Will Smith por ter agredido Chris Rock com um tapa no rosto.

Quando a coisa aconteceu, Mary e eu não entendemos nada, deu um branco. Os roteiristas que escrevem as falas dos apresentadores nas cerimônias do Oscar são criativos, gostam de criar coisas surpreendentes. Diacho: aquilo era uma piada? O que significava?, ficamos nos perguntando. Ou será que foi de verdade, será que foi fora do script?

Não sei o que mais terá chocado o povo da Academia e as famílias tradicionais Estados Unidos e mundo afora, se o soco em si ou a frase disparada por Will Smith já sentado de volta, mandando Chris Rock não usar o nome da mulher em sua fucking mouth – a porra da sua boca, algo por aí.

Quando vimos que foi uma reação a uma piada que Chris Rock fez sobre a calvice de sua mulher, a atriz Jada Pinkett Smith – causada por uma doença rara, alopecia –, eu não tive dúvida alguma: Will Smith estava certo. Piada com a doença da mulher? É pra descer o cacete no filho do mãe.

Bem. Opinião é opinião, cada um tem a sua. O duro é ver que a Academia parece estar estudando o cancelamento do Oscar dado ao ator. Isso seria absolutamente ridículo.

Agora, muitas horas depois Oscar, me sinto um tanto cansado dele, com preguiça de continuar escrevendo aqui.  Só me sinto na obrigação de fazer dois registros.

O primeiro: foi muito triste ver Al Pacino tão alquebrado, parecendo 10, 15 anos mais velho que Robert DeNiro (a diferença entre eles é só de três anos). E mais triste ainda ver como Liza Minnelli está debilitada. doente.

E, por fim, Não Olhe Para Cima. Filmaço. Foi outro dia mesmo que escrevi sobre ele – trocentas linhas de elogios.

Amigos e conhecidos escrevem no Facebook que Não Olhe Para Cima é muito melhor do que No Ritmo do Coração.

Não sei fazer esse julgamento. São dois grandes, belos filmes  – tão diferentes entre si… Tão absolutamente diferentes um do outro…

Algo como “Sabiá” e “Caminhando”.

Porque “Caminhando”, digo, Não Olhe Para Cima não levou nada na festa do Oscar vou sair vaiando “Sabiá”, digo, No Ritmo do Coração?

28/3/2022

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