Falta pouco para 2022, ano em que o país se reencontrará com as urnas, pondo fim a uma campanha eleitoral iniciada há mais de mil dias. Mas, para além de Jair Bolsonaro e Lula, ambos em palanques permanentes, e das expectativas sobre os demais pretendentes à Presidência da República, poucas luzes são lançadas às disputas estaduais e, menos ainda, ao Congresso, hoje dono da maior bolada orçamentária e da pior avaliação de que se tem notícia na História.
Com apenas 10% de aprovação, segundo o Datafolha, o Senado e a Câmara dos Deputados, expressão maior da representatividade popular, parecem se esforçar para trair, com requintes, a confiança dos eleitores. Esses tempos sombrios combinam o pior governo que o país já experimentou com cotas crescentes de parlamentares que se vendem, jogando no lixo os votos que receberam.
Longe do interesse público – seja na direita, esquerda ou centro -, para boa parte dos parlamentares falam mais alto o curral eleitoral, a conveniência imediata, os favores e o dinheiro no bolso. Tudo depondo contra a política, os políticos e, no frigir dos ovos, contra a democracia.
A última semana legislativa do ano foi de enojar qualquer um. Divorciado do país e sob aplausos de Bolsonaro, o Congresso fez uma farra: aprovou financiamento eleitoral de quase R$ 5 bilhões e mais R$ 35 bilhões em emendas parlamentares, R$ 16,5 bilhões delas incluídas no orçamento secreto – um cheque em branco para compra de votos.
A folia foi tanta que os mesmos parlamentares que no início do mês decidiram pela prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores produtivos, responsáveis por 6 milhões de empregos diretos, “esqueceram” de incluir o custo da lei aprovada na peça orçamentária.
Em meio à zorra pairam dúvidas se o R$ 1,7 bilhão autorizado para Bolsonaro mimar os policiais federais com reajuste teve a intenção de bombar ou implodir de vez a sua candidatura à reeleição. A aprovação congressual à regalia provocou a óbvia reação nos demais segmentos do serviço público – só na Receita Federal foram mais 600 pedidos de demissão de cargos de chefia – que, para delírio de Lula, podem detonar greves sequenciais.
As festas de fim de ano não são o melhor momento para más notícias adicionais, mas é necessário dizer que o que já está péssimo pode piorar.
As pedaladas do Congresso, irresponsavelmente enfiando no orçamento o que não cabe, acabarão em processos no Supremo, nos quais será exigido, por exemplo, o cumprimento da lei da desoneração. A solução mais fácil? Contingenciamento em áreas essenciais como saúde e educação, nos já surrados setores científico e cultural, para políticas de meio-ambiente e sociais, limitadas ao recém-inaugurado Auxílio Brasil de R$ 400. Nadica de cortes no fundo eleitoral ou nas emendas parlamentares.
Os desmandos da maioria dos deputados e senadores podem até se converter em votos, mas carregam o efeito escorpião.
Diferentemente da incompetência do Executivo, cuja responsabilidade o eleitor atribui ao presidente, o Congresso é percebido como corpo cada vez mais nocivo. O comportamento da maioria acaba por inocular um veneno que estimula o cidadão a colocar todos os políticos no mesmo saco de batatas podres, a demonizar o Parlamento e o sistema representativo.
O Brasil tem pela frente lutas brabas. Para vencê-las, depende de uma democracia robusta. Há parlamentares comprometidos em fortalecê-la, mas o placar de hoje os coloca em minoria. Uma conta que só o eleitor pode alterar.
Não basta substituir o nefasto Bolsonaro. Imprescindível será que em 2022 o olhar não se concentre exclusivamente na disputa presidencial. É preciso melhorar a qualidade da representação, derrotar mentirosos, abusadores e oportunistas que dizem uma coisa e fazem outra; que deliberadamente enganam o eleitor. Só assim dá para imaginar um ano novo um pouquinho melhor.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/12/2021.
Não se trata de tirar a raposa que toma conta do galinheiro. É muito mais difícil. Tem que tirar as raposas que se apossaram do galinheiro! Muita raposa para pouca galinha. Mais uma vez Mary Zaidan fulmina a picaretalha. Parabéns, valorosa jornalista.