Em um ataque de saudosismo, o senhor Antunes resolveu criar um museu de antiguidades domésticas em sua casa. Pesou no gesto a memória de seus tempos de menino, em um casarão do interior paulista, para os lados de Sorocaba. Agora, bem instalado em uma casa soberba, na capital, pôs mãos à obra.
Elegeu um quarto de fundos, desocupado, como sede do museu. Foi reunindo belas peças, um lampião a querosene aqui, uma terrina ali, um ferro de passar roupa aquecido por brasas. Então lembrou-se do penico de sua infância. Sim, o penico! Buscou o quanto pôde, mas não encontrou nada parecido.
Eis que um sobrinho, informado dos fatos, liga de Bragança Paulista. Pelo celular, vem a foto da peça. “É esse!”, empolga-se Antunes. Fecha negócio, e a entrega do penico, por motoboy, é acertada para uma semana, pouco mais, pouco menos.
E segue a vida. A família, na verdade, estava envolvida em um relevante acontecimento social. A filha de Antunes havia conhecido um rapaz de família da alta sociedade. Na sexta-feira por vir, o pai, embaixador, e senhora, seriam recebidos por Antunes e senhora, para apresentar o filho e conhecer a namorada.
Às oito horas da noite, os convidados tocam a campainha. No alto de uma escadaria, surgem os anfitriões. Aqueles vão subindo os degraus, em um movimento de amável ansiedade. Quando por fim se encontram lá em cima, o som que escutam não são palavras, mas o de uma moto chegando. E em segundos uma voz.
– Motoboy! Entrega do penico!
E antes que alguém se mova, o motociclista sobe os degraus e coloca o penico nas mãos do primeiro que vê à sua frente, Antunes. O volume tem uma grande foto do conteúdo. Antunes fica segurando o penico. Ao lado, o embaixador. Agora, o motoboy quer que o comprador assine o recibo de entrega. Como, segurando o penico? O embaixador pega o penico. Antunes assina, e o sujeito se vai.
Passado o espanto, as famílias se cumprimentam e o incidente dissolve-se como um episódio divertido. O jantar foi um sucesso, e a empatia tão grande que o embaixador e senhora foram convidados para conhecer o museu – ocasião em que o diplomata teve a honra de instalar o penico no lugar a ele destinado.
Março de 2021