– “Eu nunca votei no PT. O Lula é ladrão, é bandido – mas é gente. Esse que está aí não é, não. Se tiver que votar no Lula contra esse aí eu voto.”
O motorista de táxi que me disse isso é do meu ponto, o ponto mais perto da minha casa, mas não me lembrava direito dele – talvez por causa da máscara que ele usava (de forma absolutamente correta), talvez porque tivesse um ano e uns dois meses que eu não pegava táxi.
Fui logo dizendo isso pra ele, que era a primeira vez que eu pegava um táxi desde março do ano passado, no início da pandemia. Perguntei se ele era novo no ponto, ele disse que não, e até se lembrava de ter me levado uma ou duas vezes.
Ele começou a conversa dizendo que a situação está ruim pra todo mundo – mas que ele não estava se lamentando, não. Que tinha até que agradecer por estar vivo, e conseguindo trabalhar.
Já gostei muito de ouvir isso.
E gostei mais ainda quando, daí a pouquinho, sem falar o nome do Capitão das Trevas, o motorista começou a fazer as mais duras críticas a ele.
Sujeito sem empatia. Não fez o que tinha que ser feito. Parece que não liga para as mortes das pessoas – ele ia dizendo, e eu concordando, enfaticamente.
E aí falou que, contra esse sujeito, ele até vota no Lula.
Concordei mais uma vez com ele.
Fez críticas também duras, fortes, aos ricos de uma maneira geral. Gente que parece insensível. Que não se importa. Que não ajuda quem precisa. Tanta gente que está perdendo as casas, indo morar nas ruas, famílias inteiras.
Concordei com tudo o que ele disse.
Ele é um dos 54% dos brasileiros que, como mostrou o Datafolha, não votam nesse sujeito que está lá no Palácio de jeito nenhum. Absolutamente, de jeito nenhum.
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Coincidência que eu tenha ouvido essas opiniões do motorista de táxi cujo nome nem perguntei no mesmo dia em que O Estado de S. Paulo, em editorial, escreveu estas maravilhas que eu aplaudo de pé:
“Mantido o cenário constatado pelo Datafolha, vislumbra-se ou um segundo turno entre Lula da Silva e Bolsonaro ou até mesmo uma vitória do petista ainda no primeiro turno, já que 54% declararam que não votarão no presidente de jeito nenhum e somente 24% aprovam seu governo.
“É o pior dos mundos. Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo. É impossível que o desfecho de tal disputa resulte em algo positivo para o País, especialmente porque, em qualquer dos casos, o vencedor certamente aprofundará a discórdia entre os brasileiros.”
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Mas não é coincidência alguma que, na mesma semana em que o Datafolha divulgou esses números – 54% dos brasileiros não votariam no atual presidente da República de jeito algum, só 24% aprovam seu governo, ele perde de Lula no primeiro e no segundo turnos –, no mesmo dia em que o Estado disse, com toda propriedade, que “um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenha vindo a público dizer que, se no segundo turno der Lula e o outro em 2022, ele não vai votar no outro.
Exatamente como o motorista de táxi, que em 2018, contra Lula e o petismo, votou no outro. Exatamente como eu, que em 2018, contra o lulo-petismo e contra o outro, não votei em ninguém.
Em entrevista a Vera Magalhães, de O Globo, FHC disse, evidentemente, que “o ideal seria que ganhasse um terceiro”.
Mas se acontecer o pior, se, como diz o Estado, tivermos que optar entre o atraso e o retrocesso, a indecência e a imoralidade, a desfaçatez e o cinismo, FHC vai de Lula: “Da última vez, eu não escolhi. Desta vez não vou fazer isso. É preciso escolher. E eu não vou escolher o Bolsonaro.”
Churchill dizia que, contra Hitler, faria pacto com o Diabo.
Entre o Diabo e o Capitão da Morte, voto no Diabo.
E estarei na boa companhia do motorista do meu ponto de táxi e de Fernando Henrique Cardoso. E de 54% dos brasileiros. No mínimo.
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Cenário sombrio
Editorial, O Estado de S. Paulo, 14/5/2021
A mais recente pesquisa de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022 realizada pelo Datafolha mostra o ex-presidente Lula da Silva na liderança, com 41%. Em segundo lugar aparece o atual presidente, Jair Bolsonaro, com 23%.
A distância entre o líder petista e o presidente Bolsonaro já impressiona, mas é também impressionante o fato de que Lula possa vencer ainda no primeiro turno, pois está somente seis pontos porcentuais abaixo da soma de todos os demais candidatos apresentados (incluindo Bolsonaro). E esse dado causa admiração especialmente porque Lula da Silva representa tudo o que o Brasil vem repelindo, eleição após eleição, desde 2016.
Recorde-se, porque aparentemente o País esqueceu, que Lula da Silva comanda com mão de ferro um partido que protagonizou os maiores escândalos de corrupção da história nacional. Digam o que disserem os advogados dos “guerreiros do povo brasileiro”, como os petistas condenados foram chamados por seus correligionários, o fato é que bilhões foram desviados da Petrobrás e de outras fontes para financiar o projeto autoritário de poder lulopetista.
Recorde-se ainda que Lula da Silva recuperou seus direitos políticos não por ter sido absolvido das cabeludas acusações de corrupção que pesam contra ele, mas porque o Supremo Tribunal Federal considerou que o ex-presidente não foi julgado em foro adequado e que o juiz que o condenou na primeira instância era suspeito. Ele não foi inocentado e os processos contra Lula continuam correndo.
O partido de Lula da Silva, ademais, estrelou a mais profunda crise econômica da história recente do País, fruto exclusivo da estatolatria lulopetista, desperdiçando histórica oportunidade para promover um salto no desenvolvimento nacional.
Ressalte-se que esse desastre se deu, sobretudo, no governo de Dilma Rousseff, criatura de Lula da Silva. O fato de que hoje o demiurgo de Garanhuns se esquece de citar Dilma em seus discursos, torcendo para que os brasileiros se esqueçam do terrível período entre 2011 e 2016, não faz da ex-presidente uma entidade etérea do folclore nacional, ao lado do saci-pererê e da mula sem cabeça.
Dilma Rousseff é bem real, e seu governo patrocinou um dramático retrocesso social, a despeito da propaganda oficial petista. Entre 2014 e 2016, enquanto seu governo festejava a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, cresceu em 53% a fatia da população que vivia com renda inferior a um quarto de salário mínimo por mês, conforme dados do IBGE.
É essa impostura que o sr. Lula da Silva representa. O País já deveria ter entendido com quem está lidando, pois lá se vão quatro décadas desde a fundação do PT, mas aparentemente muitos eleitores ignoram ou relativizam as muitas evidências de que Lula da Silva representa o atraso e, já testado e reprovado, é incapaz de propor alternativas racionais e eficientes para tirar o Brasil de sua imensa e longa crise.
Mantido o cenário constatado pelo Datafolha, vislumbra-se ou um segundo turno entre Lula da Silva e Bolsonaro ou até mesmo uma vitória do petista ainda no primeiro turno, já que 54% declararam que não votarão no presidente de jeito nenhum e somente 24% aprovam seu governo.
É o pior dos mundos. Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo. É impossível que o desfecho de tal disputa resulte em algo positivo para o País, especialmente porque, em qualquer dos casos, o vencedor certamente aprofundará a discórdia entre os brasileiros.
A própria pesquisa, no entanto, indica que há uma boa chance de evitar tal desastre. No levantamento com respostas espontâneas – quando o eleitor cita o nome do candidato que lhe vem à cabeça –, 49% dos entrevistados dizem não saber em quem pretendem votar. Há, portanto, um imenso campo para que um candidato de centro, que defenda a responsabilidade na administração pública e resgate o diálogo político como a essência da democracia, possa se apresentar a esse significativo contingente de eleitores, cansados da gritaria petista e bolsonarista.
14/5/2021
Lula nos deu Bolsonaro. E agora, pelo que tudo indica, Bolsonaro nos dará Lula de volta.