A Petrobras volta a ter um presidente militar, depois de 32 anos. Desde a campanha “o petróleo é nosso”, a estatal é uma questão sensível para as Forças Armadas. À época, dividiam-se entre “nacionalistas” como Horta Barbosa e Estilack Leal – defensores do monopólio estatal, – e “entreguistas” liderados por Juarez Távora e Eduardo Gomes, adeptos da presença do capital estrangeiro na exploração petrolífera.
Os nacionalistas podiam ser tanto de esquerda como de direita. Os dois últimos presidentes da Petrobrás do governo de João Goulart foram os generais Albino Silva e Osvino Alves. O monopólio se manteve em 1964, mesmo no governo mais liberal do período militar, o do general Humberto de Alencar Castelo Branco.
Os militares nacionalistas continuaram dando as cartas na Petrobras por uma questão de “soberania nacional”, conforme aprenderam em suas academias. Nos 21 anos de regime militar, a estatal teve apenas um presidente civil, Shigeaki Ueki. Um deles, Ernesto Geisel, saiu da presidência da empresa para ser presidente da República.
A nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da empresa é muito mais do que a simples troca de um civil, Roberto Castello Branco, por um militar. Representa um cavalo de pau na política de preços livres dos combustíveis. Voltou a ser uma questão de Estado, a exemplo de como foi durante o período do regime militar e no governo petista de Dilma Rousseff.
E o intervencionismo promete não ficar restrito à Petrobras mas avançar para outras áreas, como o setor elétrico, no qual Jair Bolsonaro já promete se meter. O Banco do Brasil pode ser a próxima vítima.
A guinada é produto da junção da fome com a vontade de comer. De um lado, o núcleo militar palaciano vinha pregando que “é preciso dar um basta nisso” (a política de preços livres), como vociferou o general Augusto Heleno. De outro, um presidente em queda na sua aprovação e de vocação populista-autoritária. Bolsonaro está à cata de medidas de impacto capazes de turbinar sua reeleição. Nada melhor do que agradar ao povão a partir do rebaixamento do preço da gasolina, do gás e da energia.
A mudança se dá por interesses eleitoreiros, muito embora o presidente da República tenha aplicado uma camada de verniz nacionalista, ao afirmar: “o petróleo é nosso e não de alguns grupos”. A frase embute uma acusação a Roberto Castello Branco de “entreguismo” aos interesses do mercado.
Combustíveis com preços represados e energia elétrica barateada artificialmente foi a receita da reeleição de Dilma. O resultado todos conhecemos. Bolsonaro quer ir pelo mesmo caminho. Mas há uma diferença fundamental entre as duas situações.
Nos tempos de Dilma o populismo tarifário se deu na rebarba do boom das commodities. O de Bolsonaro está se dando em um quadro de recessão da economia mundial e em meio de uma pandemia, onde os gastos públicos terão de se expandir para financiar o auxílio emergencial das camadas mais necessitadas.
Não há espaço para subsidiar combustíveis sem mexer na política de preços. Bolsonaro jura que não fará isso. A conferir.
A Petrobras quase quebrou no governo Dilma, quando sua credibilidade foi ao chão. Começou a ser reconstruída na gestão de Pedro Parente, com a diminuição da alavancagem de sua dívida. Avançou muito na gestão de Castello Branco, com a política de preços baseada na variação cambial e no preço internacional do petróleo.
Isso permitiu à estatal priorizar o que é a sua expertise: a exploração de petróleo, principalmente em águas profundas. Para tal, a Petrobrás começou a vender ativos e anunciou um ousado programa de privatização da maioria de suas refinarias, muitas delas deficitárias. O segundo objetivo estratégico era aumentar os dividendos para seus acionistas, entre os quais o maior deles, o governo.
A substituição dos preços livres por uma política que “olhe menos para o mercado e mais para o consumidor”, conforme preconizam os militares e o próprio general Luna e Silva, é deixar a empresa sem condições financeiras de se dedicar ao seu foco. O mundo está em transição em sua matriz energética para uma de baixo carbono. Atrasos na exploração do pré-sal pode transformá-lo em um elefante branco quando se completar o ciclo da mudança da matriz.
Os custos da ressureição do nacional-populismo vão bem mais além do que o tombo do valor de mercado da Petrobras, cerca de cem bilhões de reais em dois dias. Parte já revertido nessa terça-feira.
De imediato fica pendurado no ar o programa de privatização das refinarias. Oito das 13 existentes seriam vendidas para a iniciativa privada. Quem, em sã consciência vai comprá-las, sabendo que pode haver interferência política do governo na definição do preço de seus produtos? A trava dos investimentos pode se espraiar para além do setor petrolífero. Há liquidez no mercado internacional, o Brasil poderia se beneficiar do momento favorável. Mas o governo vai na contramão ao semear desconfianças. Colherá tempestades.
O dano maior é para a credibilidade da Petrobras e da política econômica do governo, com impacto direto na desvalorização do real, no aumento da inflação e dos juros e, portanto, no desempenho do PIB. Tanto os militares como o presidente enxergam uma muralha da China entre o mercado e a “economia real”. É uma miragem.
Guinadas como foi dada na Petrobras findam por afetar negativamente o emprego, o poder aquisitivo das pessoas, a vida real.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 24/2/2021.