Só há uma sensação pior do que estarmos no mais infernal de todos os mundos, chafurdando no mar de lama sem fim que é o desgoverno Bolsonaro. A de que podemos estar nos encaminhando para, em 2022, nos depararmos com o mesmo cenário desesperador de 2018: a escolha entre o bolsonarismo e o lulo-petismo.
Entre o péssimo e o péssimo. Entre o horror e o horror.
Que, na verdade, a rigor, ao fim e ao cabo, são uma coisa só.
Nestes últimos dias, o Brasil foi obrigado a assistir a duas comprovações de que o bolsonarismo e o lulo-petismo são irmãos gêmeos, irmãos siameses.
Uma coisa só.
Não que isso seja novidade. Não é, de forma alguma. Mas vermos essas duas novas provas, assim tão óbvias, tão claras, tão cruas, é – se não uma surpresa – um choque. Uma porrada na cabeça.
O bolsonarismo e o lulo-petismo demonstraram, escancararam mais uma vez a sua absoluta semelhança nos episódios da intervenção na Petrobrás e do viva a Justiça quando a Justiça se utiliza de minudências, tecnicalidades, para jogar os crimes para debaixo do tapete e deixar livres leves soltos os criminosos.
O paralelo é absolutamente claro: Lula, pessoalmente, ganhou dinheiro da corrupção – ao mesmo tempo em que rios amazônicos de dinheiro eram desviados da Petrobrás e de outras estatais para o PT, os partidos amigos e, claro, para os partidários amigos. Flávio Bolsonaro, pessoalmente, ganhou dinheiro da corrupção – assim como, com toda certeza, seu pai já havia ganho, ao longo daqueles 28 anos escondido no fundo da Câmara dos Deputados, de onde de vez em quando saía para dar uma declaração tão radical, tão obtusa, tão absurda, que a imprensa se sentia obrigada a divulgar.
Lula e os Bolsonaros ganharam dinheiro da corrupção. Lula e os Bolsonaros não apresentam provas de sua inocência – claro, porque não possuem essas provas. Lula e os Bolsonaros se dizem perseguidos politicamente – e usam todas as artimanhas, todas as chicanas possíveis e imagináveis, para tentar evitar que as provas da corrupção sejam reconhecidas como provas de sua corrupção.
O editorial de O Estado de S. Paulo desta quinta-feira é claro feito água da fonte:
“Quando Flávio Bolsonaro diz que o caso da rachadinha é apenas um modo de atingir o seu pai, sem se dar ao trabalho de explicar a exótica movimentação de dinheiro entre assessores do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o País tem a clara sensação de ver a reprise de uma história bastante conhecida. Sem explicar o que precisa ser explicado, o primogênito de Jair Bolsonaro recorre à tese de que é vítima da Justiça, tal como fez e ainda faz o sr. Lula da Silva.
“Outra semelhança que a cada dia fica mais evidente entre aqueles que gostam de se apresentar como opostos no campo político é a estratégia processual. Sem enfrentar a questão de mérito, Flávio Bolsonaro vale-se de objeções processuais. Não há defesa da transparência, da lisura e da intransigência com o mau uso do dinheiro público. O que há é tão somente a tentativa de evitar que a Justiça alcance seus dados financeiros e fiscais.”
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No caso da Petrobrás… Meu Deus do céu, é tudo tão absolutamente claro, e tão absolutamente simples!
Malu Gaspar, em artigo em O Globo desta quinta-feira, 25/2, elenca uma série de declarações do bozolulismo, ou do lulobozismo, como queira o eventual leitor:
“É um direito de Bolsonaro trocar o presidente da Petrobras”, disse José Dirceu, ex-ministro de Lula e ex-presidente do PT. “Precisamos tomar muito cuidado com o discurso do mercado financeiro, que possui interesses próprios.” Aloizio Mercadante, ex-ministro de Dilma Rousseff, elogiou o escolhido para o cargo, o general Joaquim Silva e Luna: “Até onde eu sei, o general Luna é também um militar nacionalista”. Cobrou que o presidente da República resgate o caráter “estratégico” da estatal para o Brasil, pare a venda de refinarias ao setor privado e retome a política de preços de combustíveis do período Dilma.
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Não há nada mais parecido com o bolsonarismo do que o lulo-petismo. Não há nada mais parecido com o lulo-bolsonarismo do que o petismo. Não há nada pior para o Brasil, para os brasileiros, do que o lulo-petismo e o bolsonarismo.
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Muito a explicar
Editorial, O Estado de S.Paulo, 25/2/2021
A comemoração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em relação à decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se tivesse sido declarado inocente no caso das rachadinhas, revela uma enorme confusão. A Corte apenas declarou a nulidade da decisão judicial que decretou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal.
Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ não disse que o senador Flávio Bolsonaro é inocente, tampouco afirmou que as informações sobre as movimentações financeiras são falsas. Apenas entendeu que o juiz Flávio Itabaiana não fundamentou devidamente a decisão sobre a quebra do sigilo bancário e fiscal. É, assim, uma questão processual.
Faz-se necessário lembrar o óbvio. O caso das rachadinhas ainda não foi esclarecido, não havendo a rigor nenhum motivo para comemoração por parte do senador. O que se tem – e isso nenhuma decisão meramente processual do Judiciário modifica – é um robusto conjunto de indícios envolvendo o filho do presidente da República com apropriação de parte de salários de assessores parlamentares.
Trata-se de um sério escândalo. Ainda mais porque envolve a família de quem foi eleito pregando a honestidade e prometendo eliminar o uso do poder público para fins pessoais. A prática da rachadinha é precisamente o abuso de uma posição de poder para obter vantagens pessoais.
Não é demais lembrar que Flávio Bolsonaro não é o único membro da família envolvido com suspeitas de rachadinha. Há indícios de que essa prática, que fere os comezinhos princípios republicanos, também ocorreu no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro.
Malgrado Bolsonaro ter sido eleito como campeão do antipetismo, o presidente e sua prole têm baseado sua defesa, no caso das rachadinhas, em questões processuais e na tese da perseguição política, tal como fez o ex-presidente Lula da Silva. Nesse ponto, os Bolsonaros têm mais em comum com o demiurgo de Garanhuns do que gostariam de admitir.
Em primeiro lugar, nem Jair Bolsonaro nem seu filho Flávio apresentaram até agora uma explicação convincente sobre as movimentações financeiras atípicas. Insinuam que são alvos de complô de “infiltrados” na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público e na Justiça, todos interessados em derrubar o presidente.
Quando Flávio Bolsonaro diz que o caso da rachadinha é apenas um modo de atingir o seu pai, sem se dar ao trabalho de explicar a exótica movimentação de dinheiro entre assessores do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o País tem a clara sensação de ver a reprise de uma história bastante conhecida. Sem explicar o que precisa ser explicado, o primogênito de Jair Bolsonaro recorre à tese de que é vítima da Justiça, tal como fez e ainda faz o sr. Lula da Silva.
Outra semelhança que a cada dia fica mais evidente entre aqueles que gostam de se apresentar como opostos no campo político é a estratégia processual. Sem enfrentar a questão de mérito, Flávio Bolsonaro vale-se de objeções processuais. Não há defesa da transparência, da lisura e da intransigência com o mau uso do dinheiro público. O que há é tão somente a tentativa de evitar que a Justiça alcance seus dados financeiros e fiscais.
É um escárnio com a população, que deseja outro patamar moral e cívico na administração da coisa pública, pretender que suspeitas de crimes sejam abafadas a partir de questões processuais. Na verdade, a decisão da Quinta Turma do STJ não é nenhuma vitória do senador Flávio Bolsonaro. É antes prova de que a família Bolsonaro pretende se esquivar das respostas à população com base em manobras. Sobre esse caminho, de fato o sr. Lula da Silva, que recorreu até ao papa em sua campanha contra o Judiciário, tem muito a ensinar.
A lei processual penal deve ser estritamente seguida, uma vez que protege direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. Mas esse cuidado com o processo penal não é sinônimo de impunidade. Os indícios das rachadinhas não foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida. Numa República, todos devem responder pelos seus atos, seja qual for sua ascendência.
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Os extremos se encontram
Por Merval Pereira, O Globo, 25/2/2021
O conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita, em entrevista à GloboNews, fez um comentário lateral sobre a crise na estatal, com a tentativa do governo Bolsonaro de controlar os preços dos combustíveis, que se torna fundamental quando se olha o quadro de maneira mais abrangente. Disse ele que “se fosse o PT, nós sabemos que teríamos esse problema há dois anos”, referindo-se à política do governo Dilma Rousseff na mesma direção.
Não é à toa que o PT está defendendo a intervenção do governo, e até mesmo o ex-ministro Aloizio Mercadante elogiou o general Joaquim Silva e Luna como “um militar nacionalista”. Há muitos pontos de contato entre visões de mundo autoritárias. Lula deu uma entrevista recente apoiando Bolsonaro quando ele critica o jornalismo profissional. Os dois se sentem atingidos pelas críticas e denúncias.
Tanto Bolsonaro quanto o PT consideram que o indutor do crescimento nacional é o governo e usam as estatais com tal objetivo, mesmo que já tenha sido provado na prática que o resultado é nulo. Mesquita lembrou que a Petrobras teve que pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma ação de investidores internacionais (class action), quando o governo Dilma segurou o preço dos combustíveis com o intuito de conter a inflação.
Noutros governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, houve essa tentativa, frustrada, uma das vezes quando o ex-ministro José Serra era candidato à Presidência em 2002 e queria que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, segurasse os aumentos de combustíveis durante a campanha.
Agora o presidente Bolsonaro anuncia que vai “colocar o dedo” na eletricidade, o que geralmente dá choque nos governantes que tentam. Também a ex-presidente Dilma controlou o preço da eletricidade na canetada, e o resultado foi que, mais adiante, o repasse teve que ser feito de maneira mais acentuada, e até hoje a Eletrobras ainda sofre com o rombo provocado naquele tempo.
Na medida provisória que permite ao BNDES estudar a privatização da estatal de energia — o que parece mais um gesto simbólico do que realidade —, há o sistema de capitalização com a intenção desfazer o rombo nas tarifas das usinas da Eletrobras da época de Dilma. Com isso, a empresa pode vir a recuperar sua capacidade de investimento. Mas técnicos admitem que um impacto para cima nas tarifas haverá, seja ela privatizada ou não.
As trapaças da sorte levaram a que tanto Bolsonaro quanto o PT tivessem inimigos comuns, como o ex-ministro Sergio Moro, e métodos semelhantes para tentar se livrar das acusações de corrupção que atingem Lula e Flávio Bolsonaro. O caminho da anulação de provas, ou de julgamentos, leva ao mesmo objetivo: conseguir nos tribunais superiores (STJ e STF) a alforria dos seus.
A razão pela qual a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas contra o hoje senador Flávio Bolsonaro, uma justificativa insuficiente do juiz de primeira instância para autorizar quebra de sigilo, é uma tecnicalidade semelhante à que levou à anulação do processo conhecido como Castelo de Areia, que envolvia empresários e políticos: a investigação se originou numa denúncia anônima.
Mas, quando se quer beneficiar alguém, aceitam-se até provas ilícitas, como no processo que julga uma denúncia de parcialidade contra o então juiz Sergio Moro. A decisão da 2ª Turma do Supremo, que deve ser contra ele, vai anular a condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá e poderá levar de roldão todos os demais julgamentos em que ele foi condenado. E até outras condenações de réus da Lava-Jato.
Assim como a anulação das provas pode levar a investigação contra Flávio Bolsonaro à estaca zero. É possível ampliar o entendimento da lei, como a Operação Lava-Jato fez durante cinco anos, com bons resultados. Mas também usar provas ilegais, como os diálogos entre os procuradores e o então juiz Moro, para absolver condenados. Mesmo que, sabendo da discutível utilização dessas provas, elas não apareçam nos votos dos ministros da 2ª Turma do STF, elas já foram divulgadas largamente para criar um clima contrário ao juiz. O mesmo que acusam os procuradores e o próprio Moro de ter feito. Desde que Bolsonaro partiu para a confrontação com Moro, surgiu um campo enorme de interesses comuns entre Lula e ele.
25/2/2021