Marina em modo Morangos Silvestres

Dias atrás, Marina exagerou. Excedeu. Abusou.

Estamos acostumados à criatividade de Marina para criar deliciosas histórias. Já escrevi muito sobre isso na Agenda do Vô interminável que um dia a Mamãe vai entregar para ela, daqui a muitos anos – e até já publiquei aqui algumas Agendas falando sobre como ela vai inventando histórias nas nossas telenetadas, nossas brincadeiras diárias diante da tela do iPad.

Mas outro dia (foi na segunda-feira, 1º/2), a criaturinha exagerou.

– “O que vocês estão vendo agora” – anunciou bem no início da netada, ela sentada à mesa da sala, mexendo com massinha – é o antes de a Flora se tornar a chef dos restaurantes de massinha.”

OK, é possível que ela não tenha dito exatamente “antes de a Flora se tornar”. É possível que ela tenha dito “antes da Flora se tornar”, que é o jeito de uns 98% das pessoas falarem. Mas Marina fala com um Português tão bom que acreditei ter ouvido “antes de a Flora se tornar”. O Português, no entanto, não é o que importa. O que importa é a história que ela foi criando.

O que nós estávamos vendo – ela continuou – era o que tinha acontecido antes do que ela havia nos contado nos dias anteriores. – “Ela é aluna da Escola de Restaurantes de Massinha.”

Interrompi a narração, péssimo repórter que sou.

Sim, eu sei, estou cansado de saber: quando a pessoa está falando, está se sentindo à vontade e falando, você não deve interrompê-la, nunca, jamais. Bom repórter, bom entrevistador deixa a pessoa ir em frente. Só entrevistadores muito ruins – como Jô Soares em seus últimos tempos naquele programa Jô Soares Onze e Meia, por exemplo – ficam interrompendo desnecessariamente quem está falando.

Mas eu sou avô, diacho, e estava babando com o que ela contava, e então pedi licença para dizer que aquilo que ela estava fazendo tem um nome muito bonito, muito sonoro, na linguagem cinematográfica: chama-se flashback. – “Olha só que palavra de som gostoso: flashback.”

Certamente por estar mais do que acostumada a intromissões indevidas do avô, Marina não deu qualquer pelota. E prosseguiu:

– “Vou contar para vocês um segredo: a Flora, aí, ainda não tinha 16 anos. Ainda não conhecia as Winx, nem o Hélia. Era uma criança – tinha 10 anos.”

Quem estava narrando era a Flora já adulta, já Rainha de Linphea – a personagem que Marina mais interpreta, faz já muitos meses.

E a Flora adulta prosseguiu, dirigindo-se a nós dois, Bloom-Vovó e Sky-Vovô?

– “Eu fiz um portal para vocês visitarem o passado, para vocês verem a Flora criança.”

Pouco depois, Marina, 7 anos e 10 meses de idade, estava nos mostrando uma situação em que ela, Flora adulta, Rainha de Linphea (e dona de uma cadeia de 328 restaurantes de massinha, fora 428 restaurantes de comida normal), via a Flora criança na sala de aula na Escola de Restaurantes de Massinha.

Como se já tivesse treinado o que fazer, rapidamente Marina passou a usar um efeito do Messenger em que ela aparecia com uma coroa – a Flora já adulta, rainha -, alternando com um outro efeito em que ela era a Flora criança.

E as duas conversam uma com a outra. A mesma pessoa – quando adulta e quando criança, no mesmo local físico, conversando uma com a outra.

Para realçar a diferença entre as duas (coisa absolutamente desnecessária, já que cada uma tinha um efeito do Messenger), a Flora adulta ficava de pé, à esquerda da nossa tela, e a Flora criança ficava sentada, bem no meio da tela.

Acho que fomos nós que sugerimis que a gente usasse Florinha para designar a Flora criança, e ela adorou. E passou a usar “eu” para a Flora e “euzinha” para a Florinha.

Ah, meu…

***

Lá pelas tantas, a Flora do presente, a Flora adulta, foi conversar com o professor de culinária de massinha da Flora criança. Diante da surpresa dele, ela se identificou: – “Sabe a sua aluna que tirou a melhor nota, a Flora? Eu sou ela no futuro.”

E teve outras sacadas. A Florinha uma hora lá disse para a gente que estava achando que a Flora do futuro era meio chatinha: – “Por isso é que eu não quero crescer”, explicou.

(Dias atrás Marina viu Peter Pan, o desenho original dos Estúdios Disney. Mas mesmo antes disso havia dito para a Bloom e o Sky – ou seja, para a Vovó e o Vovô – que não estava gostando muito da idéia de crescer, começar um novo ano na escola. Mas esta é outra história.)

Daí a pouco, a Flora adulta anunciou que iria levar o Hélia – o seu blá-blá-blá, ou seja, seu marido – para o passado, para ele ver como ela era quando tinha 10 anos!

***

A história continuou na brincadeira do dia seguinte, a terça-feira – e, diabo, aí houve o exagero do exagero, a exacerbação da exacerbação.

A Flora adulta trouxe a Florinha criança para o presente – e admitiu que a experiência não foi muito boa. A Florinha ficou muito espantada com tudo o que viu, as coisas que aconteceriam no futuro da vida dela.

Florinha dormiu com a Compridona – a filha que ela viria a ter no futuro!

A coisa foi ficando bastante complexa – mas Marina, escritora fluente, rápida no gatilho, inventiva, safa, anunciou que tudo o que a Florinha viu na viagem dela ao futuro ela iria esquecer, quando voltasse

para o passado.

Tendo levado a Florinha criança para o passado, Flora adulta disse: – “Fica aí que eu volto pro futuro. Futuro pra você, presente para mim.”

***

Em 1957, o dr. Eberhard Isak Borg, de 78 anos, fez uma viagem de carro de Estocolmo, onde então morava, até Lund, onde receberia um título honorário da faculdade, em cerimônia na catedral. Dirigia o carro sua nora, Marianne. No caminho, pararam na casa em que sua família passava as férias de verão quando ele era criança, e ali o velho Isak viu cenas do passado, ele criança, junto com os primos.

Que eu saiba, foi ali, em Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, que pela primeira vez um adulto se viu no mesmo espaço com ele mesmo quando jovem.

Woody Allen, fã apaixonado do mestre sueco, usaria essa sacada mais de uma vez em seus filmes.

Que me conste, Marina ainda não viu nem Woody Allen, nem Ingmar Bergman.

Mas já chegou lá.

Aaaaaaaahhhhhh…..

3/2/2021, 8/2/2021

Foto Carlos Bêla

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