Folheando a coleção Cem Anos de Fotografia, da Folha, dei com uma imagem assinada por Antonio Carlos Mafalda. Um gauchão que em seus anos de São Paulo chamava linguiça de salsichão, menino de piá e policiais militares de brigadianos (no Rio Grande do Sul equivalentes aos nossos PMs),
A foto na Folha é de uma funcionária da então Telesp, operando o terminal que oferecia o serviço de despertador. Cena comportada demais, para Mafalda. Ele é cria da Zero Hora, de Porto Alegre, onde se notabilizou não só por suas fotos, mas pelas façanhas para obtê-las. Já que o reencontrei (trabalhamos juntos na revista Afinal), achei que valia a pena registrar pelo menos duas de suas proezas. Mesmo com detalhes incompletos, por falha de memória.
Em lá se vão anos, descobriu-se petróleo na plataforma continental de Santa Catarina. Ou seria na do Rio Grande do Sul? Os dois Estados reivindicavam o achado para si. Certo dia pousa um helicóptero na plataforma de perfuração, em pleno oceano. Desce Mafalda, com a câmera pendurada no pescoço e a bolsa com objetivas.
Vai fazendo suas fotos, capta o trabalho dos homens junto às torres de extração, com as mãos, as roupas, sujas do petróleo. Subitamente, tira da bolsa um pedaço de pano. É uma bandeira. Pede aos homens que a segurem aberta. Foto. É uma bandeira do Rio Grande do Sul! A façanha provocou forte reação das autoridades catarinenses. Desculpe-me o leitor, mas não lembro se a Zero Hora publicou a foto.
Em outro momento, o gauchão chega para cobrir uma solenidade em um centro esportivo, que terá a presença de um figurão da República. É barrado pelos seguranças, pois o cerimonial exige paletó e gravata, e ele veste singela camisa. O que fez o atilado profissional? Foi ao hotel onde se hospedava, tomou emprestados o paletó bordô com botões dourados e a gravata, do porteiro. Vestiu-os, e apresentou-se novamente ao ginásio – onde mais uma vez foi impedido de entrar.
Os outros fotógrafos (ou melhor, repórteres fotográficos) reagiram, solidários. Depuseram seu equipamento. Deixaram no chão. A autoridade chega, vê a cena, e indaga os seguranças. Estes explicam o embaraço com o fotógrafo inadequadamente trajado. O recém-chegado, no entanto, discorda. Manda que permitam a entrada do profissional.
Mafalda entra e é vivamente aplaudido pelo público, que havia acompanhado os acontecimentos. Recebeu mais palmas do que o figurão da República.
Maio de 2021
Notas do administrador:
1) As fotos são de Mafalda Press – e isso não é brincadeira. Tirei de uma notícia publicada no site Caros Ouvintes, do Instituto de Estudo de Midia, e o crédito lá está assim: Fotos Mafalda Press.
2) O “macanudo” do título não foi usado pelo Valdir Sanches, paulistíssimo da gema, que provavelmente nem sabe o que é isso. O termo foi sugerido pela minha amiga Viviane Kulczynski, jornalista da melhor qualidade que existe, designer de moda de mão cheia e minha consultora para Assuntos Gaúchos. (Sérgio Vaz)