Alhos e bugalhos

O ministro da Saúde voltou de pilha nova de Nova York, após fina temporada de confinamento por testar positivo para covid. Parece que o retiro lhe fez bem, mas isso depende dos olhos de quem vê. Em entrevista ao regressar à pátria armada, uma jornalista perguntou como se sentia ante o elevado número de 600 mil brasileiros mortos pela doença – o segundo maior do mundo, superado somente pelos 700 mil dos Estados Unidos. Não é que o ministro respondeu falando de outra coisa, que nossos finados por ataques cardíacos são 380 mil todo ano?

Certamente, bateram palmas para ele lá de dentro do Palácio do Planalto e do Alvorada. Mas cá do lado de fora, fica no ar a questão: o que é que tem a ver o fiofó com as calças? Custa crer, mas só pode ser porque o ministro, que é cardiologista, não sabe a diferença entre uma patologia e uma pandemia. Tenho um amigo cardiologista, com quem me consulto quando tenho picos de pressão, e ele me informa a diferença entre uma coisa e outra: pandemia pega, cardiopatia não pega! Simples assim. Nem precisa ser estudante de Medicina para saber. E eu nem precisava incomodar meu amigo com uma pergunta dessa, mas eu queria uma segunda opinião abalizada!

Com esse diagnóstico, eu me atrevo a dizer que o ministro da Saúde faz pouco caso da pandemia porque é do interesse do governo desprezar “a tal de pandemia” e enaltecer o que andou fazendo para combatê-la, chamando até um general três estrelas para o cargo, em substituição aos dois médicos sem nenhuma estrela que o antecederam. Ora, se não fosse tão grave assim por que chamar um general? Não tente responder. As linhas tortas de um governo desgovernado são insondáveis. O general fez um péssimo serviço, que no entanto seu chefe considerou “um excelente trabalho”.

Os números de infectados e mortos explodiram. Não tinha respirador, não tinha oxigênio hospitalar, não tinha leitos, e milhares de pessoas morreram de falta de ar em macas nas ambulâncias e corredores dos hospitais. Em compensação, sobrou cloroquina, ivermectina e ozônio retal, nasal e facial, com resultados catastróficos. Mas foi um “excelente trabalho”.

Para se sair melhor, o general, quero dizer, o doutor Queiroga deveria conhecer a fundo o inimigo que tem e cercar-se de infectologistas, epidemiologistas, sanitaristas, bioquímicos analistas e cientistas da saúde. Volto ao meu amigo. Ataque cardíaco não é que nem gripe. E covid é pior que gripe. Vai daí, se covid não tem nada a ver com ataque cardíaco, não tem pé nem cabeça ficar comparando uma coisa com a outra.

Só que para o governo tem. Arrisco a fazer uma conta simples: em mais um ano, período no qual o atual presidente ainda sonha reeleger-se, terão morrido desde 2019, quando assumiu, 1.520.000 pessoas de ataque cardíaco no Brasil. Esse número será bem maior do que por covid em três anos – graças, no entanto, às vacinas que ele tanto atacou e a medicamentos que laboratórios, como Butantan e Pfizer, também desprezados, estão desenvolvendo. Portanto, em um ano a pandemia não vai ser nada ou muito pouco, enquanto os ataques cardíacos vão estar bombando, pois só tendem a aumentar no caos em que vivemos.

E aí alguém muito inteligente, no trono ou fora dele e que diz saber quanto é 7 x 8 e a raiz quadrada de 4, vai falar: eu não disse que a pandemia não era nada?

Adivinha quem?

Outubro de 2021

Nelson Merlin é jornalista aposentado, desocupado e indignado.

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