Fiel à sua tradição de retardatário em matéria educacional, o Brasil é um dos últimos países do mundo a retornar ao ensino presencial. As escolas ficaram fechadas durante um ano, por causa da pandemia. O ciclo de paralisia começou a ser superado com o retorno parcial das aulas em São Paulo, observando os critérios de biossegurança. Outros estados devem trilhar o mesmo caminho ainda em fevereiro. Todos terão de correr para mitigar os danos provocado pela Covid 19 na formação de nossas crianças e adolescentes.
O mais grave deles, o aumento da desigualdade na educação, é o grande desafio a ser enfrentado. Se antes da pandemia vinha diminuindo, com as escolas fechadas ela cresceu de forma extraordinária. Estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta o tamanho do abismo entre os mais pobres e os mais ricos, entre o ensino público e o ensino privado de boa qualidade e entre os estados e regiões do país.
Os números são eloquentes quanto ao fosso criado. A Lei de Diretrizes e Bases define 4 horas diárias de aulas como o mínimo necessário para a formação dos alunos. Segundo a FGV, enquanto as crianças e adolescentes de 10 a 17 anos tiveram em média 2 horas de aulas por dia, os acima dessa faixa etária apenas uma hora. Os mais ricos tiveram aulas por 3,19 horas/dia e os mais pobres uma hora a menos, ficando abaixo da média de 2,37 horas diárias.
Não há muito mistério para identificar quem são os maiores prejudicados.
No Brasil existem 5,5 milhões de estudantes que moram em favelas. Pesquisa inédita realizada pelo Data Favela em parceria com a Unesco revelou que 47% dos entrevistados têm dificuldades para assistir as aulas on-line em virtude da falta de acesso à internet. O mais grave: 55% podem abandonar os estudos. A pesquisa ouviu 3.045 estudantes de 75 cidades, tendo, portanto, uma base bastante representativa.
O ensino remoto atenuou, mas não eliminou o prejuízo para a aprendizagem em decorrência de um período longo sem aulas presenciais. A ele somam-se outras questões, como a diminuição do sentimento de pertencimento ou o aumento das taxas de evasão e abandono, além de danos na saúde e prejuízo à nutrição dos estudantes. Mais: impactos negativos na sua saúde mental, crescimento das vulnerabilidades, aumento das taxas de trabalho e exploração infantil, aprofundamento da pobreza, perpetuação das desigualdades sociais e pobreza de forma geracional.
Há um largo consenso quanto ao entendimento da Educação como a grande alavanca para a superação da desigualdade. A perda de um ano de estudo terá impactos de longa duração. Os danos serão insanáveis se as escolas permanecerem fechadas por mais tempo e se não tiverem condições de responder às suas nova tarefas.
As escolas vão acolher crianças e adolescentes abaladas psicossocialmente, carentes de apoio socio-emocional em função do largo tempo de isolamento social. E com formação defasada, necessitando de reforço escolar. O maior desafio será conter a evasão, trazendo de volta as crianças e adolescentes que foram para o mercado informal de trabalho, labutando em semáforos ou fazendo serviços de entrega rápida.
De acordo com o Banco Interamericano do Desenvolvimento a evasão crescerá 12% no Brasil em função das dificuldades com o ensino remoto e a redução da renda familiar. O Anuário Brasileiro da Educação Básica/2020 foi mais pessimista. Calculou que essa taxa chegará a 32%.
O debate sobre abrir ou não as salas de aulas tornou-se sem sentido. Por todas as evidências, o retorno das atividades presenciais é urgente, urgentíssimo. A questão é definir, e construir, as condições básicas em que deve se dar. São Paulo adotou um caminho de retorno parcial, iniciando com a volta de 35% dos alunos, taxa a ser aumentada paulatinamente, conforme a queda da curva da pandemia. Tudo isso observando as normas de biossegurança.
Mas o sucesso em escala nacional só será alcançado se houver sintonia entre os três entes federativos. As redes públicas do ensino básico são de responsabilidade direta dos estados e municípios, ainda assim a União não pode se omitir, como tem feito o Ministério da Educação.
É crucial que o MEC não repita a paralisia observada na aprovação do novo Fundeb, quando abriu mão de qualquer protagonismo. Não pode agir como se o retorno às aulas fosse uma questão que não lhe diz respeito. Para começar, deveria respaldar os estados e municípios, sobretudo as cidades mais pobres. Seria uma excelente hora de o ministro Milton Ribeiro dizer a que veio. Se é que ele sabe.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 10/2/2021.