A política tornou-se terreno árido no Brasil nos últimos anos. A intolerância, a radicalização, o “nós contra eles”, a corrupção, ditaram uma forma de fazer política que bloqueou o diálogo e a construção de consensos. Impediu os brasileiros de se unirem em torno de um projeto coletivo de país. As tendências rupturistas (de esquerda e de direita) bloquearam os dutos do entendimento. Elas negaram elementos fundamentais para podermos seguir adiante sem maiores sobressaltos: o respeito mútuo como base para o debate e a conciliação pautada pelo interesse público.
Vários são os exemplos de avanços na nossa história, e eles ocorreram quando trilhamos o caminho do entendimento. E de retrocessos quando apostamos no confronto. No passado recente, tivemos homens públicos como Tancredo Neves, Franco Montoro, Mario Covas e tantos outros, que, sem abrir mão de seus princípios, contribuíram para a coesão nacional.
Não custa lembrar: nos livramos da ditadura pela via da conciliação e graças a ela vivemos o mais longo período democrático de nossa história.
O país começou a se perder com a emergência de lideranças conflitivas. A polarização sem limites, na qual o Partido dos Trabalhadores tem grande responsabilidade, nos levou ao desenlace eleitoral de 2018.
Hoje temos um presidente perdido em seus rompantes anticientíficos e de confronto com a verdade. O mundo das fake news, o debate raso das redes sociais, a antipolítica colaboram com a degradação das expectativas.
A pandemia reflete o preço caríssimo que pagamos pelos descaminhos dessa quadra histórica. No momento em que deveríamos estar unidos e coesos no combate a um vírus responsável pela morte de mais de 430 mil brasileiros até agora, nos encontramos dilacerados por falta de lideranças efetivas.
O Brasil corre o risco de viver em 2022 o mesmo clima da radicalização e conflito de 2018.
No meio dessa tempestade não podemos deixar de perceber que, apesar de tudo, a boa política está viva e pode ser a saída para a reconstrução do tecido nacional.
O exemplo mais emblemático e de maior visibilidade neste momento está representado pelo legado do ex-prefeito de São Paulo, Bruno Covas. A moderação e a transparência foram marcas de sua trajetória. Nesses tempos em que a política se transformou na continuidade da guerra por outros meios, Bruno resgatou um valor fundamental da democracia: o de conviver com a divergência e de entender que adversário político não é um inimigo a ser eliminado.
A ponderação não é sinônimo de tibieza, ao contrário. É possível ser conciliador e ser firme nos seus princípios.
Seria um grande equívoco acreditar que Bruno é um exemplo único e que, com ele, a boa política também morreu. Existem outras lideranças emergentes com os mesmos valores.
No campo constituído pelo centro-esquerda, centro e centro-direita temos homens públicos com as virtudes de firmeza nos princípios e moderação na forma de fazer política.
O Rio de Janeiro pode ser o grande laboratório para a superação do corte ideológico esquerda/direita. Lá o inimigo a ser batido é o crime organizado, nas suas diversas matizes (narcotráfico e milícias), incrustado em todas as instâncias de poder e no aparato policial. Só é possível resgatar o controle pelo estado do vasto território dominado pelo crime por meio de uma amplíssima frente, como tem preconizado algumas das lideranças fluminenses.
Ainda é cedo para saber o que vai prevalecer na sucessão presidencial. Se a má política, com a polarização entre os mesmos atores de 2018, ou se será construída uma saída virtuosa que reconcilie a nação e resgate a política como a forma civilizada dos brasileiros dirimirem seus conflitos.
E é possível constatar a existência de uma ampla avenida para o entendimento de forças comprometidas com o diálogo e com a moderação em torno de uma candidatura e um projeto unitário para 2022.
O legado político deixado por Bruno foi o de que a boa política está viva e vale a pena lutar por ela.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/5/2021.