Um problema que os outros não têm

No dia em que completávamos 2 meses inteiros de quarentena, o exato dia em que caiu o segundo ministro da Saúde do Brasil em meio à pandemia, um dia depois que Carlos Alberto Sardenberg escreveu em O Globo que o Brasil tem – além da crise sanitária e da crise econômica – um problema que nenhum outro país do mundo tem, que se chama Bolsonaro, choveu dentro do meu apartamento.

Sem que tenha caído uma única gota de chuva em Perdizes, o meu bairro.
Parece até que houve umas gotinhas de garoa na cidade, mas não vi sequer uma por aqui.

Choveu no meu apartamento porque, no apartamento de cima, estão fazendo uma reforma.

Começou uma semana antes do início da quarentana – foi ali pela semana de 8 a 14 de março. Passamos estes dois meses de quarentena, inteirinhos, absolutamente inteirinhos, ouvindo o ribombar de serras elétricas, picaretas, martelos, desde as 9 horas da manhã. Logo nós, que nunca jamais em tempo algum vamos dormir antes das 2 da madrugada.

Somos assim mais ou menos que nem o Brasil. O Brasil é o único país do mundo que, além de ter que enfrentar a pior pandemia desde a gripe espanhola, em 1918, e a crise econômica que vem junto, tem também um Bolsonaro.

Mary e eu temos tido que enfrentar, nos últimos mais de 60 dias, além da Covid-19, além da quarentena, além de todo o trabalho de casa – varrer, fazer comida todo santo dia, lavar banheiro, lavar roupa, lavar cozinha, tirar poeira, já que a moça que fazia parte dessas tarefas está em casa, para fugir do vírus, devidamente paga, é claro –, além de não poder abraçar filha e neta e amigos, além de ouvir todo o dramático noticiário, além de tudo, de tudo, de tudo… temos que ouvir um barulho ensurdecedor ao longo de todos os dias úteis, das 9 da manhã às 5 da tarde.

Mas cacete – que porra de reforma consegue durar mais de 2 meses? Mas que povo incompetente, meu Deus do céu e também da terra!
E, como se isso não fosse o suficiente, tivemos que aguentar chuva dentro de casa!

E a chuva de hoje não foi a primeira – foi, acreditem ou não, a terceira!
Já tinha chovido no escritório, no quarto que foi da minha filha e antes da pandemia era da neta e no nosso. Hoje a chuva se concentrou em cima da minha cama. Só percebi quando a cama já estava bastante molhada.

Liguei em desespero para o síndico, gente fina, o Mário Sérgio, e para a portaria.

Depois de ver o estrago, Mário Sérgio ligou para o rapaz que comprou o apartamento que fica em cima do meu teto.

O rapaz, acompanhado por Mário Sérgio, veio também ver o estrago.
Me deu uma coisa esquisita. Me recusei a ver a cara dele.

O garotão andou aqui pela minha casa, ciceroneado pela Mary. Entreouvi o que era dito. Mas enfiei a cara nesta tela para a qual estou olhando agora, e não me virei para ele. Me recusei.

Coitado. Não é culpado. Não foi ele que andou arrebentando canos do apartamento que comprou. Foram os idiotas dos caras que ele contratou, quer dizer, que o engenheiro dele contratou.

Não é culpado.

Mas se eu olhasse pra cara dele, juro que daria um soco no nariz do menino que não é culpado de nada – logo eu, que sou violentamente contra qualquer tipo de violência física.

Cacete: além da pandemia, além da quarentena, além de Bolsonaro, além do barulho ensurdecedor a partir da 9 horas da madrugada todo santo dia, faz 2 intermináveis meses, eu ainda tenho que aguentar chuva de incompetência de engenheiro e pedreiro dentro da minha casa?

Ah, meu, vá tomar no fiofó!

15 e 16/5/2020

5 Comentários para “Um problema que os outros não têm”

  1. Aceite minha inteira solidariedade!
    MH

  2. Esse pessoal pelo menos está trabalhando. Não é como o outro , que só faz barulho e não resolve nada!

  3. Eu imaginava que em barulhos desse tipo só ocorressem em Porto Velho. Com a uma ressalva, Sérgio, aqui não passa de um dia. Seu relato revela uma São Paulo cada vez mais sujeita a maluquices profissionais que se misturam à quarentena e carregam as energias da angústia, irritação e indignação. Onde fica a engenharia, em se tratando de reformas? A Prefeitura autoriza “di boa” qualquer tipo de zoada? Ou melhor, de reforma? Aí a gente lembra do velho ditado: o seu direito acaba onde começa o dos outros. O rapaz do andar de cima, se fosse precavido, teria se orientado com um engenheiro e dialogado com as vítimas – vocês. Ou não ouviu, em nenhum momento, a zoada ?

  4. Ainda bem que sobrou um “gente fina” pro MÁRIO SERGIO. Afff……esse meu vizinho SERGIO VAZ e MARY são seres em extinção. Demonstraram uma resiliência que poucos tem. Enquanto isso no Rio de Janeiro o barulho mais forte ouvido pelo nobre colega que deveria estar aqui são as ondas do mar.
    Faz parte, né?

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