Pela via do acordo entre governo e Parlamento, a Educação respira aliviada após a aprovação do texto base da PEC do novo Fundeb. É uma vitória significativa com impacto positivo no ensino básico. Basta citar que o valor mínimo investido por aluno por ano irá saltar de R$ 3.700,00 para R$ 5.700,00 O texto aprovado preserva, no essencial, o parecer original da relatora da Emenda Constitucional, deputada Dorinha Rezende (DEM).
A conquista é fruto de um consenso entre educadores, estados, municípios e parlamentares. Foi alcançada por meio de um debate iniciado em 2015 e que ganhou ritmo acelerado nos últimos dois anos. O relatório da deputada assegura mais verba para a Educação e melhor repartição dos recursos para beneficiar municípios mais carentes, independentemente da sua região.
Nos últimos 18 meses o Ministério da Educação – a quem caberia o papel de protagonista, como aconteceu com a criação do Fundef no governo Fernando Henrique Cardoso e na sua extensão para todo ensino básico no governo Lula – foi o grande ausente. O governo só entrou em campo no apagar das luzes e, como dizia Chacrinha, não veio para explicar, veio para confundir, por meio de uma proposta arquitetada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
A “esperteza” de Guedes consistia em dar uma pedalada na educação, destinando para programa de transferência de renda uma parte da contribuição da União no Fundeb. Para se ter uma idéia: o relatório da deputada Dorinha propõe o acréscimo da contribuição da União de 10% para 20%, de forma escalonada até 2026. O ministro queria que parte do novo aporte do governo federal fosse destinado ao Renda Brasil, um programa que, por enquanto, é uma mera declaração de intenção.
De quebra, a educação ficaria descoberta em 2021, pois o novo Fundeb só teria validade a partir de 2022. Impunha também o limite de 70% da verba para o pagamento dos salários dos professores, quando muitos municípios usam integralmente o Fundeb para o salário do seu corpo docente.
Não se desconhece o mérito de programas de transferência de renda para os mais vulneráveis. Mas financiá-los com verba da Educação seria tirar de um pobre para dar a outro.
Com um agravante: a possibilidade real de parcelas da população saírem da extrema pobreza está na educação de seus filhos, principal porta de saída para programas como o Bolsa-Família. Sem ela, posterga-se a cidadania plena e perpetua-se a dependência do Estado e o clientelismo político.
Menos mal que o governo tenha se rendido à lógica implacável da aritmética parlamentar ao perceber que sofreria uma derrota esmagadora na votação do novo Fundeb. O líder oficioso do governo, deputado Arthur Lira, um dos expoentes do centrão, ainda tentou manobrar para adiar a votação, sob o pretexto de que era preciso o novo ministro da Educação se inteirar do assunto. Ora, o governo teve 18 meses para se pronunciar sobre o tema e não o fez.
Não há desdouro algum no fato de o governo ter recuado e ficado aberto à negociação. O Parlamento é por excelência o palco da negociação política, instrumento das sociedades civilizadas para a mediação de conflitos. Do episódio ficam duas lições. A primeira é a importância da autonomia do Congresso e de suas duas casas serem presididas por parlamentares comprometidos com esse princípio. A saída concertada para o Fundeb tem muito a ver com o papel desempenhado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
A outra lição não sabemos se o presidente Bolsonaro levará em consideração. O episódio mais uma vez comprova que acordos firmados com o centrão só valem até certo ponto. Os parlamentares, antes de tudo, se movem de acordo com sua sobrevivência política. Em ano eleitoral, aprovar uma medida que contraria os interesses dos municípios e dos estados, ir contra todo um setor com capilaridade na sociedade seria suicídio político.
O recuo do governo se deu ao perder o chão onde o jogo seria jogado. Costuma-se dizer que é melhor um mau acordo do que uma boa demanda. No caso, o acordo foi bom para todos. Para o governo, ao evitar uma derrota. E para a educação por garantir seu financiamento, em bases que já provaram ser acertadas, além de injetar mais verba, requisito necessário, embora insuficiente, para que sua qualidade mude de patamar.
O argumento segundo o qual o parecer da deputada Dorinha não aponta a fonte de onde viria o recurso para o aumento da contribuição da União perde consistência quando a proposta do governo amplia essa contribuição para 23% – mais do que os 20% do texto original da PEC -, com a contrapartida de 5% ser aplicado no ensino infantil.
No frigir dos ovos, o acordo contempla todas as partes envolvidas. Não há por que se falar em vencedores e derrotados. Até porque se há algum vencedor ele são os milhões de alunos, os principais beneficiários da concertação que ampliou a verba da educação e torna perene o Fundeb.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 22/7/2020.