Acho que tem a ver com muito tempo de confinamento, sob o noticiário da tevê e do celular, o fato de minha coerência estar indo para o espaço, junto com a lucidez e o senso crítico. Cheguei ao ponto de misturar realidade com o absurdo despejado por bárbaros nos meios de comunicação.
Na madrugada, acordo assustado pensando no fogaréu na Amazônia, no Pantanal, na Califórnia, no aquecimento global, e a causa me vem à mente. Se a Terra é plana, e o sol gira em torno dela, só podia dar nisso.
Também, sem que perceba, começo a elucubrar sobre as invasões nas terras indígenas. A solução surge clara. Vamos ajudar aquela gente, tirá-la dessa vidinha atrasada de viver em tabas e correr atrás de caça. Usar arco e flecha, um disparate quando o resto do País está em ritmo de pistolas e fuzis.
Elementar, meu caro Salles. Moradia popular para os índios, aquelas casinhas graciosas em conjuntos apelidados de Pombal. Quartos, camas; banheiros, chuveiro e vaso sanitário. Horta comunitária e Bolsa Família.
Vai sobrar terra para o que interessa. Criar muito boi, vastidões de pastos. Campos de soja, de uma variedade de grãos, a perder de vista. É o Brasil grande. Ouro, muito ouro surgindo das escavações feitas pelas retroescavadeiras.
Quando o ouro acabar e elas mudarem de lugar, restarão crateras onde antes havia floresta. Mas nunca faltará algum gênio para propor soluções, como estimular a geologia. Ou encher a buracada de água, criar lagos e atrair turistas. Por onde trafegarão os caminhões-pipas com a água é um probleminha que depois a gente estuda.
Não me venham, diante de tantas maravilhas, falar em aquecimento global. Isso, como todos sabem, não tem nada a ver com a Amazônia.
Bem, paro por aqui. Vai que alguém de Brasília leia este texto, mostre para o presidente, ele me convide para um cargo no Ministério do Meio Ambiente.
Setembro de 2020
Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo