A recessão mundial de grandes proporções que bate à porta da humanidade coloca o papel do Estado como essencial para responder a esse grande desafio. A rigor, ele é chamado a socorrer a economia em momentos de grave crise, como na Grande Depressão de 1929, nas Guerras Mundiais do século passado ou em outras crises sistêmicas.
O diferencial de hoje é que não basta apenas injetar dinheiro nas empresas – como aconteceu na crise de 2008. É preciso também garantir renda para os trabalhadores que ficarão sem sustento e investir pesado em saúde. O foco não são as empresas, são as pessoas.
Governantes de países de economia liberal se movimentam para que os trabalhadores não sejam demitidos. Estão reduzindo impostos sobre a folha de pagamentos das empresas com o compromisso de não haver desemprego.
Na Inglaterra, pátria-mãe do liberalismo, o governo conservador de Boris Johnson adotou um pacote de 418 bilhões de libras a ser aplicado em várias áreas. Entre suas medidas está o pagamento de 75% do salário de quem ganha até 2.500 libras. Com isso, garante uma renda de R$ 14.900 para os desempregados. Donald Trump também vai na mesma direção. Adotou um programa de U$ 2,5 trilhões e anuncia que pagará US$ 1 mil mensais para quem ficar em casa.
A despeito das medidas adotadas, que apenas mitigam a recessão, o grande debate que se trava ao redor do planeta é determinar qual seria o momento em que a quarentena deve ser relaxada para que a economia volte a funcionar. Um dos temores é que não está afastado o risco de convulsões sociais, com saques e violência. O pano de fundo poderá ser o desemprego dantesco e a falta de renda e de condições de saúde. Nos Estados Unidos o desemprego pode chegar a 20% e as estimativas são de queda no PIB americano de 20 a 25% (anualizada) no segundo trimestre, um desastre mesmo que haja uma recuperação acelerada do terceiro trimestre. Os números não serão diferentes no Brasil.
Entretanto, a prioridade de todos os governos responsáveis é salvar vidas, razão pela qual o prazo da quarentena de diversos países tem sido ampliado. O próprio Donald Trump inicialmente refratário a essa medida, estendeu sua validade até 30 de abril. O que há é uma tomada de consciência de que o retorno das atividades econômicas deve se dar de forma programada e depois do pico da pandemia. O lockdown deve ser evitado e só deve ser adotado diante da iminência real do colapso do sistema de saúde.
No Brasil, a necessidade de uma intervenção do Estado é mais gritante. Temos 44 milhões de trabalhadores informais, quase 13 milhões de desempregados. Estima-se que só no comércio teremos mais 5 milhões de desempregados.
Esse enorme contingente humano mora em favelas sem condições sanitárias e não terá o que comer mantida a situação atual.
Diante de fatos dramáticos, a crise atropela posições ideológicas e se impõe. A Covid-19 derrubou o discurso econômico de Jair Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes e os obrigou a editar medidas com impacto da ordem de mais de meio trilhão de reais nas áreas fiscal, trabalhista e creditícia. Entre elas o auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e de R$ 1.200 para mães responsáveis pelo sustento da família além das ações que envolvem o INSS, o FGTS, o salário-desemprego, o crédito da Caixa e Banco do Brasil ou a redução das despesas públicas de estados e municípios.
Bolsonaro rompeu com o discurso econômico com o qual se elegeu, assim como Boris Johnson e Donald Trump. E tudo isso pode não bastar para minimizar os efeitos nocivos do isolamento nos níveis de emprego e PIB. À frente, outras medidas desse teor virão.
Mais ainda. A gravidade da crise de saúde pública, de emprego e PIB demanda por liderança política que coordene uma ação enérgica e única das três esferas de Governo para implementar e fazer chegar os recursos tempestivamente aos mais necessitados; alguém que dedique esforços sem medida para evitar uma calamidade médico-hospitalar e articule a eficácia administrativa dos entes federativos na definição dos momentos críticos de afrouxamento das medidas restritivas em vigor.
Nada será como antes depois desta pandemia.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 1/4/2020.