Como perder a guerra

Quem erra na estratégia perde a guerra. O conceito militar explica muito bem as razões pelas quais o Brasil está sendo derrotado pelo coronavírus a ponto de o epicentro da pandemia se deslocar para o nosso país. O método adotado pelo presidente foi o de povoar as ruas, com a ideia de que os mais fortes se adaptariam à Covid-19 e seguiriam todos em frente, imunes e sem maiores problemas. Esqueceu de pensar no que aconteceria com os mais fracos, leia-se os mais pobres, os idosos e as pessoas com comorbidades.

E faltou combinar com o vírus. Os fortes também morrem.

O darwinismo social de Jair Bolsonaro partiu da premissa de que quanto mais as pessoas circulassem, maior seria o contingente com anticorpos para o coronavírus. O objetivo estratégico seria salvar a economia por meio de uma concepção negacionista. Na recusa em aceitar a terrível realidade dos fatos e escapar da verdade, revoltou-se com a ação dos governadores e com a visão do Ministério da Saúde, então sob o comando do ex- ministro Luiz Henrique Mandetta.

O objetivo deveria ser salvar vidas, ganhar a guerra sanitária para vencer também a da crise econômica.

Mandetta adotou a linha recomendada pela Organização Mundial da Saúde. Tinha como eixos o distanciamento social para achatar a curva da pandemia e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Incentivou a criação de hospitais de campanha e a importação de equipamentos médicos estratégicos, como respiradores.

A política adotada por Mandetta retardou o pico do surto e criou um sentimento de comunhão de destino entre os brasileiros. Mas para ser plenamente vitoriosa necessitava ser assumida por todo o governo, a começar pelo chefe.

Em vez disso, Bolsonaro sabotou o isolamento social, mobilizou suas falanges contra o ministro, impôs a Mandetta a tutela do general Braga Neto e, por fim, o destituiu. Não conseguiu impor o nome de seus sonhos, o terraplanista Osmar Terra. Os militares apontaram uma saída intermediária: Nelson Teich. O novo ministro tinha currículo para assumir o cargo, mas falta conhecimento sobre o mundo da gestão pública e das minucias do funcionamento do SUS.

O presidente fez de Nelson Teich uma ilha cercada de militares por todos os lados. Criminosamente, a expertise dos técnicos do Ministério foi substituída por oficiais jejunos em questões de saúde. O poder de fato, por exemplo, ficou nas mãos do general de divisão Eduardo Bazuello, secretário-executivo do ministério.

O manietado Teich não tem forças para enfrentar de peito aberto a estratégia genocida de priorizar apenas a economia. Surpreendido cotidianamente pelas artimanhas do presidente – a mais nova foi decretar como serviços essenciais as academias de ginástica, salões de beleza e barbearias – o ministro viu-se sem chão, sem saber o que fazer. No caso da aquisição de respiradores mecânicos no exterior, simplesmente jogou a toalha. A oferta de ajuda da OMS ficou sem resposta.

Não o culpem por isso. Essa missão exigiria uma articulação governamental, na qual o Ministério do Exterior e o presidente deveriam se empenhar. Mas como fazê-lo se o clã Bolsonaro e o chanceler acreditam no avesso, a ponto de estigmatizarem o principal fornecedor mundial de equipamentos médicos, a China, com suas querelas ideológicas?

O desmanche do Ministério da Saúde gerou um sério problema de gestão. Hospitais de campanha como os de Águas Lindas e de Boa Vista estão prontos há três semanas, mas inativos. O governo federal não consegue passá-los para os estados. De sua parte, o general Braga Neto não disse a que veio em matéria de coordenar ações que levem a atender às necessidades da guerra sanitária. O parque produtivo nacional não foi reorientado para substituir as importações de bens estratégicos para o combate da pandemia.

Nelson Teich não é o principal responsável pelo caos. Quem o produziu foi Bolsonaro.

Reconheça-se, o ministro Teich aos poucos se aproximou da política adotada por seu antecessor e não avalizou a estratégia do presidente. Ao contrário, ao visitar hospitais constatou o colapso do sistema de saúde pública e passou a ser mais assertivo quanto ao isolamento social.

Ao demonstrar, no Dia das Mães, empatia com os familiares de quem perdeu a vida em decorrência da Covid-19, entrou na linha de tiro do gabinete do ódio. Isso é parte da estratégia do presidente. Assim como ele não desistiu da indicação do delegado Alexandre Ramagem para diretor da Polícia Federal, tampouco desistiu de nomear Osmar Terra para ministro da Saúde.

O que já estava ruim pode piorar muito mais. Bolsonaro virou um “case” de como agir para perder a guerra.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 13/5/2020.

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