Jair Bolsonaro já havia provado e comprovado que é autoritário, admirador de ditaduras, ditadores e torturadores, misógino, homofóbico, sem educação, tosco, grosseiro, avesso à ciência e aos direitos humanos. Neste domingo, 15 de março, provou e comprovou que é irresponsável.
Criminosamente irresponsável.
Ao participar por mais de duas horas do ato a favor do seu governo e com críticas ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro ignorou a orientação de sua equipe médica e as diretrizes do Ministério da Saúde para o combate ao coronavírus. Ao mesmo tempo, manifestou-se abertamente contra o regime democrático, contra a Constituição que jurou defender, e deu a milhões de brasileiros um absolutamente irresponsável mau exemplo.
Jogou no lixo toda as ações corretas que vêm sendo tomadas pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e todas as advertências sobre os cuidados necessários para enfrentar a pandemia feitas por autoridades, cientistas e médicos do mundo inteiro.
Deu toda a força aos imbecis, idiotas, descerebrados que insistem em dizer que a pandemia não é grave, que o novo coronavírus – que já matou 7 mil pessoas – provoca uma gripezinha igual às outras.
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Bolsonaro “teve contato físico com 272 pessoas em cerca de 58 minutos de interação na frente do palácio”, escreveu o jornal O Estado de S. Paulo, com base ele análise que seus repórteres fizeram das filmagens diante do Palácio do Planalto. “Bolsonaro manuseou ao menos 128 celulares, trocou ao menos quatro objetos com a plateia, entre eles um boné, que vestiu, e cumprimentou 140 pessoas, segundo levantamento do Estado. Ele chegou a colar o rosto ao de outras pessoas para fazer fotos.”
Isso assim depois de ter se encontrado na semana ao menos 13 pessoas que já têm, confirmadamente, a doença.
A irresponsabilidade da ação do presidente foi duramente criticada por médicos, especialistas e também por políticos. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), divulgaram notas oficiais em termos sérios, pesados.
A reação na imprensa foi duríssima, com críticas contundentes.
O jurista Miguel Reali Jr. defendeu que o Ministério Público peça que o presidente seja submetido a uma junta médica para saber se ele teria sanidade mental para o exercício do cargo.
A deputada estadual Janaína Paschoal (PFL), que foi defensora da candidatura de Bolsonaro à Presidência, pediu a renúncia dele. Em discurso no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, disse estar arrependida de ter voltado nele, e que Bolsonaro cometeu crime contra a saúde pública ao endossar as manifestações de domingo
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Mas nada disso fez Bolsonaro pensar melhor, pedir desculpas, voltar atrás. Ainda no domingo, entrevista à CNN, Ele chamou de “extremismo” e “histeria” medidas adotadas diante da pandemia do coronavírus. E perseverou mais uma vez na irresponsabilidade nesta segunda-feira: em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da Rádio Bandeirantes, ele disse as seguintes barbaridades:
– “Apertei a mão das pessoas porque era a vontade do povo.”
– “Eu não vou viver preso no Alvorada mais cinco dias.”
– “Eu tô sozinho num canto apanhando de todo mundo.”
– “Se eu resolvi apertar a mão do povo, é um direito meu; eu vim do povo.”
– “Querer colocar a culpa da propagação no vírus na minha pessoa é querer se ver livre da responsabilidade.”
– “Se o povo aparecer aqui na frente, eu vou aqui na frente conversar com o pessoal.”
“Seria um golpe isolar chefe do Executivo, por interesses outros que não republicanos.”
– “Tenho obrigação moral de saudar o povo que ficou na frente do Palácio.”
– “Agora, tudo continua funcionando no Brasil. Está havendo uma histeria.”
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Ele prova, comprova, demonstra: não aprende, não melhora.
Não tem jeito.
Não adianta esperar de Jair Bolsonaro qualquer coisa parecida com bom senso, discernimento.
Com Jair Bolsonaro, só há duas saídas: ou a interdição, por declaração médica de que o sujeito é incapaz, como sugere o jurista Miguel Reali Jr, ou o processo de impeachment.
Já.
A palavra impeachment já tem frequentado os textos dos jornalistas brasileiros. Nesta segunda, Reinaldo Azevedo publicou em seu blog no UOL um texto com o título “Impeachment, ainda longe, está mais perto. Bolsonaro já costeia o alambrado”.
Na quarta-feira da semana passada, Ruy Castro já havia publicado na página 2 da Folha de S. Paulo um artigo com o título “Receita de impeachment”. Ele dizia que, se for necessária uma crise econômica para a afastar um presidente, há uma a caminho.
A palavra, o tema, a necessidade dele – creio que eles estarão cada vez mais frequentes.
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Neste segundo volume da série “Ou a democracia pára Bolsonaro, ou Bolsonaro pára a democracia”, faço questão de reproduzir as reações dos presidentes do Senado e da Câmara. E, mais adiante, os artigos de Eliane Cantanhêde no Estadão e de Ana Maria Machado no Globo, e também o editorial do Estadão, todos publicados nesta segunda-feira, 16/3.
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Eis a nota do presidente do Senado, Davi Alcolumbre:
É hora de amadurecermos como Nação. Com a pandemia do coronavírus fechando as fronteiras dos países e assustando o mundo, é inconsequente estimular a aglomeração de pessoas nas ruas.
A gravidade da pandemia exige de todos os brasileiros, e inclusive do presidente da República, responsabilidade! Todos nós devemos seguir à risca as orientações do Ministério da Saúde.
Convidar para ato contra os Poderes é confrontar a Democracia. É tempo de trabalharmos iniciativas políticas que, de fato, promovam o reaquecimento da economia, criem ambiente competitivo para o setor privado e, sobretudo, gerem bem-estar, emprego e renda para os brasileiros.”
Aqui, a nota do presidente da Câmara, Rodrigo Maia:
“O mundo está passando por uma crise sem precedentes. O Banco Central americano e o da Nova Zelândia acabam de baixar os juros; na Alemanha e na Espanha, os governos decretam o fechamento das fronteiras. Há um esforço global para conter o vírus e a crise.
“Por aqui, o presidente da República ignora e desautoriza o seu ministro da Saúde e os técnicos do ministério, fazendo pouco caso da pandemia e encorajando as pessoas a sair às ruas. Isso é um atentado à saúde pública que contraria as orientações do seu próprio governo.
A economia mundial desacelera rapidamente; a economia brasileira sofrerá as consequências diretas.
O Presidente da República deveria estar no palácio coordenando um gabinete de crise para dar respostas e soluções para o país.
Mas, pelo visto, ele está mais preocupado em assistir as manifestações que atentam contra as instituições e a saúde da população.
A situação é preocupante e exige de todos nós serenidade, racionalidade, união de esforços e respeito. Somos maduros o suficiente para agir com o bom senso que o momento pede.”
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Brincadeira de vida e morte
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo, 16/3/2020.
Há tempos o Brasil não assiste, à luz do sol, a um gesto de tal irresponsabilidade quanto o do presidente da República jogando para o alto as recomendações de saúde e se encontrando com manifestantes em frente ao Planalto. Em nova versão da “fantasia”, Jair Bolsonaro passou população a seguinte mensagem: danem-se o Ministério da Saúde, os especialistas, os médicos!
Entre o correto e o conveniente politicamente, Bolsonaro optou pela conveniência política, o que se torna ainda mais irresponsável quando a epidemia está só começando no País e, ao lado dele, estava o diretor substituto da própria Anvisa. Chocante.
Assim como dá de ombros e vai em sentido oposto aos apelos do ministro da Economia pelas reformas, Bolsonaro não dá bola para as recomendações do ministro da Saúde para reduzir o risco de contaminação e evitar mortes. Não entende o tamanho da sua responsabilidade, a importância do seu exemplo.
Enquanto Paulo Guedes defende reformas, Bolsonaro senta em cima das propostas do Executivo e ataca, dia sim e neste domingo também, quem vai votar as mesmas reformas: o Congresso. Ele publicou fotos e vídeos justamente com faixas de “Fora Maia” nas manifestações. Sem Rodrigo Maia, não há reformas.
E, enquanto Mandetta e as autoridades de saúde de todo o mundo advertem que em pessoas acima de 60 anos o Covid-19 é mais letal e que todos que tiveram contato com contaminados devem se preservar _ e, principalmente, preservar os outros _, o que faz Bolsonaro? Vai à rua, toca pessoas, pega seus celulares.
É contra a ciência, os deveres do cargo, os direitos dos cidadãos, o bom senso. E danem-se as pessoas que, ingenuamente, ou por ignorância, foram colocadas em risco por quem ainda é sujeito a um segundo teste e tem recomendação de isolamento, depois de dias ao lado de contaminados. Não é coisa de gente séria, muito menos de presidente da República.
Mas Bolsonaro não foi o único irresponsável. Nas manifestações do “Fora Maia”, “Fora STF” e “SOS Forças Armadas”, difícil apontar o mais grave: o ataque às instituições, o uso do nome das Forças Armadas em vão ou o risco em que aquelas pessoas se colocavam e principalmente colocarão as outras, todas as outras.
De classe média e média alta, elas vão ameaçar a saúde de familiares, empregadas domésticas, vendedores, caixas, vizinhos, conhecidos. Não viram o que ocorreu na China e não vêem o que assola a Itália, o resto da Europa, os EUA?! Fanáticas, ainda acreditam na versão de Bolsonaro de que tudo era fantasia? Não é fantasia. É um pesadelo sem fim, questão de vida ou morte.
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Mau exemplo contagioso
Ana Maria Machado, O Globo, 16/3/2020
Com a chegada da Covid-19, somos instados a ter juízo, manter distância social e responsabilidade cidadã, proteger a nós mesmos e aos outros. Buscar sensatez. Seria bom ter bons exemplos.
Ainda outro dia, tínhamos de escolher entre os amotinados da polícia, em ação definida como inconstitucional pelo STF, ou o tresloucado senador da retroescavadeira avançando contra eles. Sem falar na difamação e ataques chulos a mulheres jornalistas a reverberar por hostes parlamentares. E convocações do Executivo para se ir às ruas contra o STF e o Congresso. Além da maluquice à solta, temos o contagioso mau exemplo que vem de cima.
Se o presidente pode engrossar à vontade, na certeza de que tudo fica por isso mesmo, o que não fará o famoso guarda da esquina, que nem ao menos está o tempo todo sob o testemunho das câmeras para que se saiba o que faz de horrível? Se, em cada encontro com jornalistas ou eleitores munidos de celular, ele pode xingar a mãe a qualquer pretexto, dar banana ou apontar arminha gestual enquanto libera uso de armas reais pelo país afora, o que não fará o brutamontes anônimo com arma de verdade e força física, entre quatro paredes, contra a mulher que não quer mais aturar suas ameaças e violência? Se secretário da Cultura considerado “de verdade” pelo presidente podia ecoar discurso nazista em ultrajante vídeo oficial, e se governante estadual pode fazer lista de livros a serem recolhidos, o que não fará a diretora da escola ou o pastor no escurinho do anonimato?
Alguém se surpreenderá se amanhã aparecer um vídeo do presidente, palhaço a tiracolo ou em voo solo, botando a língua de fora ou baixando as calças e exibindo o traseiro para a nação, sob aplausos de sua claque? Tudo indica que há uma estratégia de provocação, para que todo mundo se acostume, siga o exemplo e ache natural alimentar a violência dessa forma, criando um ambiente antidemocrático e de barbárie.
Só que não é natural nem está certo. Passa do limite. Não acaba bem.
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Escassez de estadistas
Editorial, O Estado de S. Paulo, 16/3/2020.
Em novembro de 1954, o então primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, ao completar 80 anos, foi homenageado no Parlamento de seu país. Em seu pronunciamento, o líder da oposição trabalhista Clement Attlee destacou que os discursos de Churchill durante a 2.ª Guerra Mundial, que tanto inspiraram os britânicos a enfrentar a tirania nazista, “expressavam a determinação não só do Parlamento, mas de toda a nação”. Essa capacidade inigualável de traduzir em palavras a alma de um povo, motivando-o a seguir adiante e superar as piores adversidades, fez de Churchill o maior estadista de seu tempo.
Seu grande legado é a preciosa lição de que governantes não são apenas gestores de recursos públicos; antes, são líderes políticos que devem ser a referência de sobriedade e determinação em momentos de incerteza, quando a voz respeitada da moderação deve se sobrepor ao alarido irresponsável da confusão.
Assim, são justamente turbulências graves como esta causada pelo coronavírus, com consequências tão amplas quanto imprevisíveis, que separam os estadistas dos políticos medíocres. Os primeiros são aqueles que sabem preparar seus governados para os inevitáveis sacrifícios que certamente terão de ser feitos nos próximos tempos, em razão do impacto econômico e social da crise. Já os segundos são aqueles que mobilizam a opinião pública com assuntos irrelevantes ou apenas polêmicos, muitas vezes com o objetivo de esconder sua incapacidade de governar e lidar com problemas dessa profundidade.
No primeiro caso, os estadistas, por se interessarem genuinamente pelo futuro e o bem-estar da nação, conseguem atrair o apoio mesmo de quem deles pensa diferente, com o objetivo de superar eventuais divergências e unir esforços para fazer o que é necessário.
Infelizmente, o mundo em geral, e o Brasil em especial, enfrenta uma escassez de estadistas e um excesso de governantes despreparados, não apenas do ponto de vista da administração, mas, sobretudo, sob o aspecto da liderança.
Nestes tempos de vulgaridade militante, confunde-se liderança política com capacidade de arregimentar seguidores em redes sociais. Quanto mais barulhentos e irracionais forem os discursos desses oportunistas, maior é o engajamento de quem prefere a ofensa ao diálogo. Pouco importa, no ambiente tóxico das redes, se esse tipo de liderança é eficiente para conduzir o País a bom porto; ali, o que interessa é apenas alimentar o tribalismo e, assim, estigmatizar, muitas vezes em termos violentos e impublicáveis, quem tem outra opinião.
É evidente que, nesse clima de guerra, não se pode falar em convergência de esforços e ideias para solucionar os problemas ou ao menos para mitigar seus efeitos mais sérios. Ao contrário, são cada vez mais numerosos os que torcem pela ampliação da crise como forma de minar o governo e as chances eleitorais do presidente. Em qualquer circunstância, trata-se de um óbvio disparate, pois o colapso da economia e a deterioração das instituições não ajudam ninguém – a não ser os incendiários.
Por mais difícil e desgastante que seja, é preciso que os políticos conscientes de seu papel se apresentem ao duro trabalho de convencer os brasileiros de que esse confronto, tão ruidoso quanto vazio de significado, não levará a nada, a não ser a um dispêndio de preciosa energia, necessária para o enfrentamento dos graves transtornos que o País atravessa.
No Brasil, o cargo de estadista está vago, pois temos um presidente que não está à altura nem do cargo nem dos desafios que se lhe apresentam. É claro que nenhum dos candidatos a essa missão precisa ser um Churchill, mas é possível pelo menos almejar seu grande exemplo. Na tempestade perfeita que une um governo perdido, uma atmosfera de discórdia, uma economia letárgica e um vírus descontrolado, urge parar de perder tempo com tolices extremistas, produzidas pelo submundo delinquente da internet, e concentrar esforços para mobilizar a opinião pública contra o nosso grande e resiliente inimigo: a mediocridade.
16/3/2020
Ou a democracia pára Bolsonaro, ou Bolsonaro pára a democracia (1)
Um lembrete: esta série de textos e compilações que está sendo iniciada não tem periodicidade fixa.
A foto do alto deste post é de Dida Sampaio/Estadão. A foto do meio do post é de Sérgio Lima/AFP.
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