A praga bolsonarista

Suspenso antes de completar 24 horas de vigência, o decreto do presidente Jair Bolsonaro autorizando estudos sobre a inclusão das unidades básicas de saúde no Programa de Parcerias de Investimentos continua causando estranheza. Não só por mexer na estrutura do SUS no curso da pandemia que já infectou 5,5 milhões e matou quase 160 mil brasileiros, mas pelo ato em si. Até porque não é necessário decreto algum para proceder estudos – quanto mais em governo que nada planeja ou estuda. Nem por decreto.

Incluir a iniciativa privada na prestação de serviços públicos é prática comprovadamente salutar, desde que devidamente regrada e fiscalizada por agências independentes. Há dezenas de exemplos disso, dentro e fora do Brasil. Por aqui, deve-se a esse capital a expansão e popularização da telefonia móvel, e a agora controversa produção de vacinas, desde sempre desenvolvida em parceria com laboratórios privados – e globalizados. Portanto, não fariam mal algum estudos para incluir o SUS nessa corrente virtuosa.

Mas não se trata disso. É só uma polêmica a mais das várias que Bolsonaro semeia e rega. Não à toa, anunciou que vai reeditar o decreto. Assim, como birra.

O cultivo de conflitos e o método de apará-los estão longe de ser práticas incomuns ou exóticas. São pragas conhecidas que crescem estercadas pelo que há de mais batido: a rivalidade extrema para se eleger e o compadrio para governar.

O ex Lula usou e reusou desse mesmo mecanismo. Colheu frutos, é verdade, mas apodreceu antes de deixar sementes.

No primeiro terço do governo, Bolsonaro dedicou-se a adubar exclusivamente os seus fiéis, com embates contra tudo e todos. Ameaçado pelo próprio veneno e com dois de sua prole enrolados em investigações criminais, ele cedeu ao conforto ofertado pelo Centrão, turma que aloja muitos de seus antigos companheiros do baixo clero da Câmara.

Um estrume caro de fertilização duvidosa. Mas Bolsonaro está disposto a pagar o preço, incluindo nele generosos lotes da reforma ministerial prevista para o início do próximo ano.

A proteção dos filhos, em especial de Flávio, cujo processo das “rachadinhas” avança mesmo depois de quase duas dezenas de tentativas de anulação e do envolvimento inconstitucional, ilegal e imoral de organizações de Estado na sua defesa, fez com que Bolsonaro passasse a adular outras tribos. Enturmou-se com a trupe dos jantares brasilienses, carinhou o ex-presidente do STF Dias Toffoli e o ministro Gilmar Mendes.

Muitos dos seus taparam os narizes e engoliram as náuseas ao ver os novos arranjos. Outros, até mesmo aliados de primeira hora, como o general Rêgo Barros, vomitaram o que já não conseguiam mais segurar.

Impávido, Bolsonaro continuou a fomentar cizânia – sua única virtude.

Entre “brincadeiras” de péssimo gosto, como a de virar “boiola igual maranhense” ao tomar o guaraná cor-de-rosa Jesus, outras tantas frases irresponsáveis e sorrisos aos tolos que o veneram, Bolsonaro fomenta seus guerreiros a atacar em várias frentes. Os temas da hora são a vacina chinesa do Doria, o não à vacinação compulsória, uma extemporânea proposta de nova Constituição e, esticando a corda, a balela da privatização do SUS. Nada por acaso.

Bolsonaro sempre viveu do caos. Alimenta-se das confusões que cria. Com elas fica em voga, se mantém na crista da onda.

Quando precisa, passa a mão na cabeça dos descontentes úteis e transforma o dito em narrativa inversa. No caso do Maranhão, pediu tímidas desculpas, ao mesmo tempo que, do nada, vários de seus seguidores começaram a condenar o código do “politicamente correto”. Sobre a vacina do Butantan, tem dito que o governador paulista quer usar o povo como cobaia, como se possível fosse aplicar qualquer vacina sem o aval da Anvisa. Mente, reincide na mentira, provoca.

A Bolsonaro só a discórdia interessa. É nesse pântano que a praga bolsonarista viceja.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 1º /11/2020. 

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