A gripezinha do capitão

Depois de anunciar a um grupelho (convidado) de jornalistas que seu teste para a Covid-19 dera positivo, o capitão, sorridente, tirou a máscara para que os profissionais da Imprensa pudessem ver como ele estava bem. Verdade, estava com ótimo aspecto, a gripezinha não estava minando suas forças.

Como bom garoto propaganda da cloroquina, mais tarde ele comunicou numa live que já estava na terceira dose do santo remédio que ele, como ex-capitão do Exército que fabrica a droga, receita para a cura da gripezinha que os assustados brasileiros, segundo ele, coitados, confundem com a praga medonha que vem matando pelo mundo afora.

Ele ainda termina sua propaganda da cloroquina perguntando a quem o assiste na TV: “Eu acredito na cloroquina. E você?”.

Pessoas polidas respondem às perguntas que lhe são feitas. Sou polida e respondo: “Não, eu não acredito”.

Da cloroquina sei que é um remédio que deve ser receitado e acompanhado por médicos formados em Medicina e não em artes marciais; sei que é um remédio que funciona contra a malária; sei que não é indicada para o vírus da Covid-19; sei que pode provocar danos colaterais sérios no músculo cardíaco, provocando arritmias que podem ser fatais. É o que sei como leiga em medicina, mas é o que basta para não querer tomá-la quando chegar a minha vez de pegar a tal gripezinha.

Desconfio que o que eu sei é o mesmo que Bolsonaro sabe, mas suponho que ele, como Chefe Supremo das Forças Armadas, fabricante aqui no Brasil da bendita cloroquina, achou melhor não falar tudo que sabe. Falar não falou. Mas revelou que tem feito eletrocardiogramas duas vezes por dia para avaliar as condições de seu coração desde que começou a tomar a cloroquina. Como nunca nos foi dito que o capitão tem problemas cardíacos, concluo que ele examina seu coração com medo dos efeitos da cloroquina.

E agora quem pergunta sou eu: será que o capitão sabe que a quase totalidade dos brasileiros não tem médicos à sua disposição a qualquer hora, que não tem aparelhos para eletrocardiogramas no quarto ao lado, que não tem enfermagem competente dia e noite? Como ele parece viver no Mundo de Oz, vai ver não sabe.

O capitão, segundo o que sei, está muito bem e sua gripezinha veio de forma branda. Ainda bem que não pegou o tal do coronavirus, não é? Seria uma catástrofe pois ele, teimoso como é , e leal ao Exército, com certeza ia insistir na sua droga preferida. E aí…

Aí só Deus sabe o que viria a seguir…

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 10/7/2020. 

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