Vanguarda iluminada

O aglomerado de esquerda formado pelo Partido dos Trabalhadores e assemelhados (PSOL, PC do B, PDT e PSB) sofreu mais uma grande derrota política, a quarta nos últimos três anos, com a aprovação de forma arrasadora da Reforma da Previdência. 

Desde o impeachment de Dilma Rousseff, passando pelo desastre nas eleições municipais de 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro na disputa presidencial do ano passado, essa esquerda enveredou em um beco sem saída e tem sido incapaz de rever sua estratégia, embora existam motivos mais do que suficientes para repensar seus caminhos.

Esperava-se que dessas derrotas fosse surgir uma oposição inteligente e construtiva, necessária, capaz de morder, mas também de assoprar quando fosse o caso. Por meio de uma estratégia de acúmulo poderia sair do gueto no qual submergiu em função de fazer do “Lula Livre” o centro da sua luta política.

No caso da reforma da Previdência, a estratégia aconselharia uma postura pragmática: procurar aperfeiçoar o parecer do deputado Samuel Moreira, em vez de rejeitá-lo em bloco. Até para não se isolar ainda mais na sociedade que apóia majoritariamente a proposta.

Como demonstrou o Datafolha, houve uma mudança significativa da opinião pública: no governo Temer, 71% dos brasileiros eram contrários à reforma previdenciária; agora há uma maioria favorável. Fica fácil, portanto, entender o placar favorável na votação da Câmara.

Como se julga uma vanguarda iluminada, detentora da verdade absoluta, não há autocrítica a fazer. A culpa da derrota é jogada nas costas da sociedade que estaria anestesiada e “não entendeu a reforma da Previdência”, segundo o líder da oposição, deputado Alessandro Molon, do PSB. Piamente, o parlamentar acredita que mais à frente os brasileiros despertarão e darão razão à sua “vanguarda”. Mas o que se pode esperar de quem considera que a oposição saiu maior da votação na Câmara?

Como está sempre com a razão, esta esquerda considera como herege e sujeito à inquisição partidária quem, no interior de suas fileiras, diverge da “linha justa”. A deputada Tabata Amaral – tida por muitos como sendo um sopro de renovação da política brasileira – corre o risco de ser sumariamente expulsa do PDT por ter votado em desacordo com a determinação da burocracia partidária.

Junto com ela, mais sete deputados pedetistas. O mesmo pode acontecer com 11 parlamentares do PSB, por também terem votado favoravelmente à reforma. Entre os inquisidores de Tabata está o cacique Ciro Gomes, cujo histórico de fidelidade partidária não é exemplo para ninguém.

O PDT e PSB querem resolver pela via administrativa um problema de natureza essencialmente política. O tamanho de sua dissidência, cerca de um terço de suas bancadas, recomendaria prudência e não fechar questão contra a reforma.

Seus “dissidentes” não estão sozinhos, expressam o pensamento de uma “esquerda positiva” que vai além das fronteiras partidárias.  Há segmentos que entendem ser impossível enfrentar a desigualdade social em um quadro de desequilíbrio das contas públicas, até porque a expansão dos gastos correntes tem sido um fator de transferência de renda para os mais favorecidos e de perpetuação de privilégios.

Esse é o debate a ser enfrentado, ao qual a “esquerda negativa” se recusa a travar. Como “iluminados”, seus dirigentes querem expurgar quem não reza por sua cartilha, apelando para o “centralismo”, instrumento tradicionalmente utilizado por partidos de corte stalinista. A condenação, via de regra, é o instrumento para quem se julga infalível e não sabe conviver com a divergência.

Afinal, é mais cômodo demonizar dissidentes do que refletir sobre os próprios erros.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 17/7/2019. 

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