Sim, Michel Temer foi o primeiro presidente denunciado por suspeita de corrupção em pleno exercício do mandato.
Sim, chegou ao fim de seu governo com altíssimo nível de desaprovação.
Sim, não teve condições sequer de ter um candidato que defendesse seu legado.
Mas apesar dos pesares, entregou ao seu sucessor um país bem mais organizado do que recebeu. E é possível que seja atribuído a ele o mérito de ter lançado as bases para o Brasil retomar o crescimento sustentável, se Jair Bolsonaro e seu posto Ipiranga realmente aprofundarem a agenda reformista iniciada no governo Temer (coisa que, convenhamos, estão tropeçando para realizar).
Afinal, a política pretendida pela equipe capitaneada por Paulo Guedes não é de ruptura. É de continuidade, de aprofundamento na direção do saneamento das contas públicas e de desengessamento da economia. A ruptura defendida por Fernando Haddad foi incontestavelmente derrotada no voto. Temer, portanto, não deixa de ter razão ao se sentir um vitorioso, como externou em entrevista ontem na TV Cultura.
O ex-presidente tem números a apresentar, sobretudo quando comparados com a era de Dilma Rousseff. A inflação, antes na casa de dois dígitos, está abaixo da meta de 4,5%, enquanto que no seu governo, em dois anos, a taxa básica de juros recuou de 14,5% para 6,5%. Não se vislumbra no horizonte o retorno da inflação e da elevação dos juros.
Resgatou também a credibilidade da política monetária, duramente afetada pelo intervencionismo de sua antecessora.
A retomada do crescimento e a recuperação do emprego foram lentas e irrisórias, é verdade. Mas se deve levar em consideração a ruína causada pela “nova matriz econômica” lulopetista, cuja herança foi a queda de quase 10% do PIB e os 14 milhões de desempregados.
Na economia as coisas acontecem assim: os danos de uma política equivocada vem a galope, mas o conserto de seus desajustes demandam tempo e muito sacrifício.
Entre os ativos de Temer estão ainda a reforma trabalhista, a emenda constitucional do teto de gastos e a recuperação das estatais.
A Petrobras saiu das páginas policiais, voltou a dar lucro, se valorizou, retomou sua capacidade de investir. As empresas estatais retomaram seu caráter público. Alterações no marco regulatório do pré-sal tornaram atrativos os novos leilões, que devem gerar R$ 100 bilhões para o país. A bolsa-empresário do BNDES cedeu lugar a regras transparentes.
Credite-se a seu favor o retorno da política externa ao leito natural, deixando para trás o terceiro-mundismo e as relações ditadas por afinidades ideológicas dos tempos de Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia, area que agora Bolsonaro volta a regredir. Na educação, foram dados passos importantes com a reforma do ensino médio e a definição da Base Nacional Curricular Comum para todo o ensino básico.
Certamente o governo de Michel Temer seria bem mais virtuoso, se não fosse o fatídico 17 de maio de 2017, quando veio a público a gravação de sua conversa nada republicana com Wesley Batista. A partir daí o presidente perdeu ímpeto reformista, dedicando-se principalmente a sua sobrevivência. E a custo altíssimo para o país.
Continuo torcendo para que Jair Bolsonaro faça bom uso e aprofunde a herança bendita que recebeu de Temer. Mas meu apoio será sempre crítico, como tem sido ao longo dos anos. Afinal, o preço da democracia é a eterna vigilância!
17/9/2019
Nota do administrador: Hubert Alquéres escreveu este texto como um comentário sobre o meu “A Temer o que é de Temer”. Mas é muito mais que uma resposta ao meu texto: é um belo artigo. Assim, resolvi publicá-lo aqui.