Não há lulismo sem Lula

Rui Costa ascendeu na política à sombra do senador Jaques Wagner e como seu fiel escudeiro. Os dois fazem jogo combinado e assim devem ser interpretadas as “heresias” ditas pelo governador da Bahia em sua entrevista à revista Veja.

Rui abriu o verbo, afrontou os cânones petistas. Disse que o PT errou em 2018 ao não apoiar Ciro Gomes, condenou o regime de Maduro, pôs seu nome no tabuleiro da disputa presidencial de 2022 e, pasmem, não subordinou uma frente dos partidos de esquerda à bandeira “Lula Livre”.

O subtexto das declarações heterodoxas do governador baiano é uma recomendação para  o PT. Para ele o partido deve deixar de olhar para o passado e se conectar com o futuro. Dito em outras palavras: chegou o momento de pensar um lulismo sem lula, que incorpore bandeiras até hoje relegadas a um segundo plano pela esquerda – como a segurança – que contribuíram para a vitória de Jair Bolsonaro.

A idéia de um PT mais flexível, que faça política nas condições concretas, parece ter ainda o aval dos outros governadores do partido, ávidos para se livrar de Gleisi Hoffmann. Gostariam que o futuro presidente do PT fosse um nome do Nordeste, vinculado a eles.

Ao colocar seu nome como pré-candidato a presidente, Rui Costa pode ter feito uma manobra diversionista. Fica exposto ao sereno para preservar Jacques Wagner, que pode ser a face do lulismo sem Lula.

A questão é saber quais são as chances de sucesso do upgrade petista enquanto o caudilho estiver ativo.

O ex-presidente sabia o que poderia vir quando, de dentro da prisão, deu a voz de comando para a recondução de Gleisi à presidência do PT. Ela funciona mais como delegada de Lula do que presidente da sigla. Foi nessa condição que articulou a resposta a Rui Costa, por meio de uma nota oficial da executiva nacional.

A nota é uma reprovação enérgica, na qual a direção petista reafirma cláusulas pétrea do credo lulista. Estigmatiza Ciro Gomes, que “escancara opiniões grosseiras e desrespeitosas sobre Lula, o PT e nossas lideranças”; reafirma a bandeira Lula Livre como “central na defesa da democracia, da soberania e dos direitos no Brasil” e envereda pelo autismo político ao atribuir a derrota de Fernando Haddad em 2018 ao “uso criminoso de notícias falsas pela campanha de Bolsonaro, com financiamento ilegal até de fontes estrangeiras, contando com a omissão da mídia e da Justiça Eleitoral”.

Esse PT de granito, impermeável a qualquer sopro e renovação, também continua defendendo a ditadura de Maduro na Venezuela. Vai na contramão de lideranças como a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, Alberto Fernandez, candidato peronista à presidência da Argentina, ou Pepe Mujica, da esquerda uruguaia, que qualificam o governo de Maduro autoritário. Pasme: a nota repete a cantilena de que o ditador venezuelano é vítima da ação desestabilizadora de forças estrangeiras.

Um documento tão inflexível jamais seria adotado como posição oficial se Lula não houvesse concordado com seu teor. Por ela, o Partido dos Trabalhadores enterra qualquer possibilidade de uma “frente de esquerda” cuja hegemonia não esteja em suas mãos.

Ciro entendeu o recado. Por isso voltou a descarregar suas baterias contra o PT e detonou a idéia de uma “frente de esquerda”. Ao contrário dos petistas, Ciro faz um movimento para se aproximar do centro.

A idéia de um lulismo sem Lula é tão inexequível quanto o foi a tentativa de um peronismo sem Perón. Isso só aconteceu após a morte do caudilho argentino.

O mais provável, portanto, é que o PT se isole de outras forças do seu campo e confirme o diagnóstico de novas retumbantes derrotas políticas.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 18/9/2019. 

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