Tem alguém vivo aí?

César, meu neto, treze anos recém completados, segurava uma arma poderosa, na sala de seu apartamento. A arma, na verdade, estava na tela da tevê. O que César tinha nas mãos era um controle; nos ouvidos, fones. Mas era como se segurasse a arma, pois ela executava todos os movimentos, e disparava rajadas, num cenário de batalha.

Não só isso. César falava com um companheiro que participava da mesma ação, na casa dele. “Cuidado! Cuidado! Cuidado!”, alertava às vezes.

Sentado próximo, o avô, este que relata, lia um clássico latino- americano, Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo, de 1955. Um filho de Pedro Páramo, adulto, chega ao povoado de Comala, em busca do pai, que não conhece. Encontra uma mulher, Eduviges, que o acolhe em um quarto.  Adiante se sabe que a mulher na verdade estava morta.

Em outro trecho, Miguel, filho de Pedro, aparece na janela de Eduviges. Não conseguiu chegar à casa da namorada. “Perdi o povoado. Havia muita neblina (…). Vim contar a você, porque você me entende. Se fosse dizer aos outros de Comala, iam a falar que eu fiquei louco.” A mulher responde: “Não. Louco não, Miguel. Você deve estar morto.”

Na sala, César continua agitado. “Olha lá, tem um ali.” Ou, “me dá uma cobertura”.

Na fictícia Comala, o forasteiro conversa agora com Damiana.

– Então, como a senhora topou comigo?

– …

– A senhora está viva, dona Damiana? Diga, dona Damiana!

“E me encontrei de repente sozinho naquelas ruas vazias. As janelas das casas abertas para o céu, deixando aparecerem as varetas secas do mato. Esteiras esburacadas que mostravam os tijolos gastos.”

– Damiana! Gritei. Damiana Cisneros!

Respondeu o eco: “ana…neros! …ana…neros…!”

Na sala do apartamento, César continua em ação. Persegue o inimigo, dispara a arma. Em certo momento acalma. Pergunta para o companheiro.

– Tem alguém vivo aí?

Não ouvi a resposta, que chegou pelo fone de ouvido.

Julho de 2019

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