Sem plano algum para combater o aumento indecente do desmatamento na Amazônia, o governo Jair Bolsonaro conseguiu pelo menos um feito inédito. É o primeiro a ter uma política antiambiental. Mais grave: o presidente se orgulha disso. Resta saber quais ganhos ele espera ter com o antiambientalismo.
Diferentemente de questões caras ao extremismo de direita – como armas e licença para matar, bandido bom é bandido morto ou moralidade cristã distorcida e exarcebada -, nem a ideologia retrógrada explica a ojeriza do presidente às questões ambientais.
Em vez de somar pontos para ele, a postura acende suspeitas de que estaria criando condições para beneficiar pesos pesados da mineração mundial, além de jogar a causa ambiental, que não deveria ter partido, no colo de opositores.
Alguns deles, diga-se, também não trataram bem a bola. Frases ditas pelo ex Lula – “a questão dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público são entraves ao desenvolvimento” ou “o país não pode ficar a serviço de uma perereca” (acusação de que o réptil teria atrasado a licença ambiental para as obras do túnel de Osório, no Rio Grande do Sul) – caberiam bem na boca de Bolsonaro.
Uma prova de que a visão canhestra sobre o meio ambiente não é exclusiva do atual governo. Mas Lula, embora com estultice semelhante, não chegou a institucionalizar o antiambientalismo.
Ainda que anime sua milícia digital, Bolsonaro não pode dizer que a defesa do meio ambiente é coisa do diabo comunista. Até entre os direitistas, o antiambientalismo que o presidente cultiva com fervor desagrada mais do que agrada.
A conservadora Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, tem a pauta ambiental na linha de frente de seu governo. Recentemente, garantiu aporte de mais €40 bilhões para ações nessa área, gesto tido como essencial para que ela consiga se manter no poder. Nos Estados Unidos, empresas de grande porte como Chevron, General Motors, Apple e Facebook criticaram duramente a decisão de Donald Trump, que Bolsonaro venera, de retirar o país do Acordo de Paris. O ato também aborreceu alguns partidários republicanos e doadores de sua campanha.
Por aqui, o descaso amazônico – e não só ele – preocupa parcela importante do agronegócio e do empresariado que apoiou Bolsonaro. Mexe no bolso dessa turma e deixa o Brasil em posição para lá de vulnerável nas relações externas. O reflexo já é visto fortemente, por exemplo, nas exportações do setor de couro.
Mais do que omissão ou negligência, que já seriam danosas, o governo Bolsonaro passou a ser um incentivador de práticas escandalosas que, agora, têm aval para se multiplicar.
Fiscalização frouxa, flexibilização de normas para multar serrarias que compram madeira ilegal, a recém anunciada pretensão de liberar a exportação de madeira “in natura” da Amazônia e o apoio explícito a garimpeiros, incluindo os que lavram terras indígenas, são apenas alguns itens da pauta antiambientalista.
Somam-se a ela as liberações de agrotóxicos banidos há tempos de boa parte do planeta – alguns deles suspensos recentemente por decisão judicial – e o desejo confesso do presidente de transformar santuários ecológicos em zonas turísticas de alta densidade. É o que ele imagina para Angra dos Reis, que rejeita peremptoriamente a ideia, e para Fernando de Noronha.
Então, para quê?
A resposta à repulsa aguda sobre qualquer assunto ligado ao meio ambiente talvez esteja na própria relação de Bolsonaro com o mundo. Ele é um predador por natureza. Jamais pensa em construir – só em desfazer, destroçar, desagregar.
“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa, desfazer muita coisa”, disse, durante jantar com conservadores em Washington, arrematando que ficaria “muito feliz” se pudesse servir como ponto de inflexão.
Bolsonaro é um destruidor confesso, um predador por natureza.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 24/11/2019.
O que salva, Mary, é que o Bolsonaro está em boa companhia, na área, como o tal Ricardo Salles, do Meio Ambiente…