O papel das Forças Armadas

Numa espécie de desabafo, o general de divisão Richard Nunes, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, manifestou seu desconforto com o fato de os militares estarem sendo arrastados para a polarização política, como aconteceu em relação ao 31 de março. O incômodo do general faz todo sentido.

O grande ativo construído pelas Forças Armadas após a redemocratização foi ficar ao largo das diversas crises vividas pelo país, dedicando-se exclusivamente às suas funções constitucionais. Ganhou a instituição, hoje uma das mais profissionalizadas e respeitadas pelos brasileiros, ganhou o Brasil. Desde o advento da República, vivemos o período mais longo sem intervenção militar.

O 31 de março deste ano, com as manifestações a favor e contra, acendeu a luz amarela quanto ao risco de contaminação da tropa. A Ordem do Dia da hierarquia de comando não jogou gasolina na fogueira, mas o mal já estava feito.  Houve uma ruptura do pacto entre os militares e os sucessivos governos pós 1985, que possibilitou tratar os acontecimentos de 1964 como coisa de passado e sem revanchismo.

Não é apenas o retorno dos fantasmas que aconselha ir devagar com o andor pois o santo é de barro. O peso da ala militar no governo de Jair Bolsonaro já é em si mesmo algo fora do padrão em regimes democráticos. São mais de 50 militares em cargos de primeiro e segundo escalão.

Não é exagero. Hoje há mais ministros militares do que em qualquer governo do período militar, se forem descontadas as pastas à época privativas das Forças Armadas: os ministérios do Exército, da Aeronáutica, da Marinha e a Casa Militar, para não falar no SNI.

Essa situação tem suas explicações, entre elas a absoluta falta de quadros do bolsonarismo, que, como disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, é um deserto de idéias, ressalvadas as exceções. A cada crise criada pelo presidente ou por seus talibans, os militares são convocados ou como bombeiros ou para assumir novas responsabilidades.

O MEC, por exemplo, está sob “intervenção branca”, com a nomeação do tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira para o segundo cargo mais importante da pasta.

Em favor dos militares, argumente-se que chegaram ao poder pela via democrática, do voto, e que efetivamente possuem competência técnica para tocar várias áreas do Estado brasileiro.

Isso não elimina o fato de que a fronteira entre as Forças Armadas – uma instituição permanente de Estado – e o governo, uma instituição provisória renovada a cada quatro anos e essencialmente política, pode estar sendo borrada.

Toda vez que isso acorreu, perdeu a instituição, perdeu o Brasil. Não serve de atenuante dizer que boa parte dos ministros militares vem da reserva. Querer separá-los da instituição equivale a dizer que o Pai e o Espírito Santo são entidades distintas.

Não vivemos uma ditadura militar, vivemos um governo cívico-militar.  Esse caráter é acentuado pelo protagonismo do vice-presidente, general Hamilton Mourão, que faz o contraponto a Bolsonaro como uma voz moderada; alternativa ao amanhã e ao talvez.

Bom lembrar que a missão constitucional das Forças Armadas não é a de ser um Quarto Poder, com função moderadora que no Império era do imperador.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 3/4/2019.

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