Se eu pudesse fazer um pedido, uma sugestão ao prefeito Bruno Covas, seria assim: – “Pô, Bruno, desista dessa idéia de Parque Minhocão, vai. Pense melhor. Se você anunciar que abandonou a idéia, que vai encaminhar para que sejam feitos mais estudos, pesquisas, tenho a certeza de que esse será um grande legado para a cidade.”
O “pô, Bruno”, o tom assim cordial, pouco engravatado, é porque, em primeiro lugar, combina com ele. Bruno tem se esforçado para marcar que ele não é um sujeito engravatado. Em segundo lugar, é porque ele é muito garoto, eu sou um velhinho. Quando cheguei a São Paulo, 51 anos atrás, a Avenida São João era uma maravilha, uma via elegante, nobre. Não havia Minhocão ainda.
O Minhocão é uma excrescência, um horror, um nojo. Foi uma obra típica de Paulo Maluf: gigantesca, grandiosa, faraônica (e portanto excelente para o superfaturamento, a corrupção), voltada exclusivamente para o automóvel, para os veículos particulares, em detrimento do transporte público. A época da construção do Minhocão, início dos anos 70, coincidiu com o início da implantação do Metrô de São Paulo. O Metrô foi, inicialmente uma empresa com capital do Estado e do município de São Paulo. Durante a primeira gestão de Maluf na Prefeitura, ele foi retirando a participação do município, deixando que apenas o governo do Estado investisse no Metrô. A cidade de São Paulo, sob Paulo Maluf, investiu no Minhocão – obra vistosa, para agradar à classe média motorizada, o transporte público que se danasse.
Uma via elevada cortando uma das principais avenidas da cidade, a São João – o Minhocão acelerou a deterioração de boa parte do Centro de São Paulo. Não apenas infernizou para sempre a vida de milhares e milhares de moradores de prédios ao longo do monstrengo, mas degradou todo seu entorno.
A besteira está aí. O que fazer?
O ideal seria que ele nunca tivesse sido construído. Mas foi, está aí. O que fazer?
Aí é que está. Não há plano bom para o Minhocão. Não há solução fácil, barata – e, sobretudo, não há uma saída que agrade a todos, ou a uma consistente maioria.
Como muito bem resumiu o Valdir Sanches: Marta Suplicy estudou a demolição, José Serra promoveu um concurso, chegou-se a um ganhador, Gilberto Kassab chegou a anunciar eu demoliria, Fernando Haddad previu desativar o elevado aos poucos, até ser possível usar como parque, ou, se não isso, a demolição.
Agora Bruno quer usar o Minhocão para fazer algo que marque sua gestão.
Bruno Covas quer usar o Minhocão para deixar sua marca, à la Maluf. Exatamente tudo aquilo que seu avô condenaria em sucessivos ataques de ira diante de tamanha estultice. (Mario Covas – que falta ele nos faz! – não conseguia tolerar estultices. Ainda bem que não viveu para ver o Brasil sob Dilma e sob Bolsonaro. Mas aí tergiversei. Perdão.)
Neste domingo, um dia depois que Valdir Sanches mandou o texto dele sobre o Minhocão, o Estadão publicou a seguinte carta do leitor Luiz Francisco de A. Salgado – um absoluto brilho de carta:
“Muitos discordam do fato de a Prefeitura estar dando prosseguimento ao processo de transformar parte do Minhocão num parque. Mas eu concordo. E justifico: São Paulo não tem mais moradores de rua, a cidade está muito limpa e sem pichações, as ruas são verdadeiros tapetes, sem buracos, os semáforos estão perfeitamente sincronizados e funcionando bem, o transporte público é de dar inveja ao Primeiro Mundo, não existem mais congestionamentos, não temos mais cortiços nem invasões, não há mais pontos de alagamento, as escolas estão dotadas dos melhores recursos didáticos e os professores são bem pagos. Tudo isso já resolvido, não vejo por que não gastar dinheiro, que está sobrando, na construção de um parque elevado, detonando uma das vias principais de trânsito da cidade. Simples assim, não é?”
É exatamente isso. O leitor disse tudo.
Então, voltando ao início. Se eu pudesse apresentar uma sugestão ao prefeito, um pedido – eu toparia fazer, num gesto teatral, uma súplica de joelhos –, eu diria:
– “Pô, Bruno, deixe como marca do seu governo que você foi sábio o suficiente para não fazer nada com o Minhocão. Para deixar por enquanto a trolha exatamente como está – nomeando uma comissão para estudar a fundo a questão e propor as alternativas possíveis, para serem discutidas amplamente pela sociedade.”
E prosseguiria num lero com ele, argumentando que tem que ir com muita calma. O país está afundado numa crise econômica (sem contar a moral, a política) séria demais.
Quem sabe o próximo prefeito terá melhores condições para tocar uma grande obra ali, analisadas e debatidas as alternativas?
Quem sabe o próximo prefeito poderia ousar e tocar – embasado em bons estudos – a demolição total da coisa horrorosa?
– “E, diacho, o próximo prefeito pode ser você mesmo!”
19/5/2019
Trilogia Minhocão, Parte 1 – Nem o construtor suporta o Minhocão.
Trilogia Minhocão, Parte 3 – Parque, o Minhocão já é. Quando tiver dinheiro, é derrubar.
2 Comentários para “O menos ruim é não fazer nada com o Minhocão”