Toda vez que a disputa entre pragmáticos e ideológicos se estabeleceu em um governo, a balança pendeu para os primeiros. O exemplo mais clássico foi a China de Deng XiaoPing, com a derrota da “Gang de Xangai”.
O resultado também não foi diferente no primeiro governo Lula, com a prevalência de Antonio Palocci e Luiz Gushiken sobre José Dirceu. O mesmo aconteceu na disputa entre Pedro Malan e os “desenvolvimentistas” da era FHC.
O clássico embate repete-se com força no governo Bolsonaro, tendo como pólos os militares e a chamada ala olavista, incrustada em áreas estratégicas, como o Ministério da Educação e o Itamaraty. O bolsonarismo nunca foi um bloco monolítico. Em um primeiro momento, os ideológicos deram o tom.
Menos por expressar a ampla base social responsável pela vitória de Jair Bolsonaro e mais porque no coração do presidente, assim como em seu núcleo familiar, habitam os mesmos valores do guru da extrema-direita, Olavo de Carvalho.
Isto adiciona incertezas quanto ao desfecho dessa queda de braços. Mas a vida está mostrando ao presidente que governo nenhum do planeta logra sucesso tendo como combustível a ideologia. O extremismo não tem o poder de fazer a economia girar.
Ao contrário, leva o governo a dispersar forças, quando deveria concentrá-las em vencer a atual mãe de todas as suas batalhas: a reforma da Previdência. A fórceps, o presidente está tendo de se render ao pragmatismo, inclusive na sua relação com o mundo “impuro” da política.
As desastradas tuitadas de Bolsonaro – a divulgação de um vídeo escatológico foi a gota d’água -, bem como declarações intempestivas, revelaram a urgente necessidade de se estabelecer um “cordão sanitário” em torno de sua figura. Ninguém melhor para a missão do que os militares, acostumados a raciocinar estrategicamente e altamente disciplinados. O racionalismo de sua cultura positivista pesa muito na hora do vamos ver.
As patacoadas cometidas pelo ministro do Exterior Ernesto Araújo levaram a uma intervenção branca no Itamaraty em questões sensíveis, como a crise da Venezuela, a transferência da nossa embaixada para Jerusalém e nas relações com os países árabes,
O Ministério da Educação, em vez de se dedicar ao difícil desafio de construir um consenso nacional em torno da melhoria da qualidade de ensino, tornou-se palco da guerra autofágica entre ideológicos e pragmáticos.
Depois do desastre de seu e-mail aos professores, o ministro Ricardo Vélez Rodriguez passou a ouvir seu assessor pragmático, coronel Ricardo Wagner Rodetti, para se pôr em sintonia com a direção dos ventos. Exagerou na dose ao rebaixar para cargos figurativos ex-alunos de “Olavão”. O contragolpe veio com Bolsonaro mandando demitir o coronel Rodetti.
Balcanizado, o MEC é palco de uma ferrenha disputa pelo poder. Entre a cruz e a caldeirinha, o ministro Vélez teve de adiar sua viagem de 15 dias a Israel e desagradou aos dois lados ao dar uma de Salomão na demissão de seis ocupantes de postos estratégicos. O próprio ministro está balançando no cargo. Até mesmo seu padrinho Olavo de Carvalho já deu o brado de “ponham-no para fora”, se não seguir a cartilha dos fundamentalistas.
Se na política externa os pragmáticos conseguiram neutralizar as incursões ensandecidas, no MEC, no final da tarde desta terça-feira, o olavismo avançou mais uma casa.
Olavo de Carvalho exigiu e o ministro degolou a cabeça do segundo homem da pasta, o secretário executivo Luiz Antônio Tozi. A vitória de Olavão decorreu do seu “prestígio” junto ao presidente e aos seus filhos.
Tozi, um quadro técnico formado pelo ITA e que atuou com competência na rede de escolas técnicas da Fundação Paula Souza em São Paulo, é respeitado entre educadores e era visto como o avalista de que o MEC priorizaria o conteúdo educacional, em lugar da agenda ideológica. Recentemente participou de um Seminário Internacional organizado em conjunto pelo Todos Pela Educaçao, a FGV e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), e causou a melhor das impressões entre educadores brasileiros e estrangeiros.
Nesse imbróglio o ministro mudou de lado como o camaleão muda de cor e mais uma vez a Educação paga o preço de uma rinha que não é sua.
Como não é dado a raciocínio estratégico, o guru dos “olivetes” – é assim que chama seus ex-alunos aboletados na máquina pública – também comete erros. Abertamente atacou os militares, sobretudo o vice-presidente.
O general Mourão vocaliza aquilo que pensam os ministros fardados e os da caserna, mas que não se manifestam publicamente. Olavo de Carvalho está chamando gente grande para briga. Os militares são o núcleo fundamental de um “presidencialismo de caserna”.
Superestimou também a firmeza ideológica de seus discípulos com sua conclamação para que eles saiam do governo. Pregou no deserto.
Todo ideológico é também pragmático quando está em jogo pegar ou largar o osso.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 13/3/2019.