Na Praça Benedito Calixto, onde ficava, no subsolo de uma loja, o pequenino teatro Lira Paulistana – o palco do que veio a ser conhecido como a Vanguarda Paulista, onde surgiram para o Brasil o grupo Rumo, o Premeditando o Breque que iria virar Premê, Itamar Assunção, Arrigo Barnabé, o Paranga, Passoca – deve ter pousado um disco-voador.
Deve ter pousado um disco-voador, mesmo, naquele finalzinho dos anos 1970, ainda em plena ditadura militar, porque ali, além de ficar o Lira Paulistana, o Rumo fazia seus ensaios, e estava também a Olho Eletrônico, a produtora de Fernando Meirelles e Marcelo Tass. Muita coisa especial numa praça só.
Deve ter pousado um disco-voador na Praça Benedito Calixto, disse Wilson Souto, o Gordo, o criador do Lira Paulistana, no grande show de encerramento do Festival Líricas Paulistanas 2, no domingo, 26/5. Um show que mais parecia um festival. Abriu com o poeta Caco Pontes lendo um texto dele, continuou com a apresentação de um curta-metragem Líricas Paulistanas – Vanguarda Paulista Ontem e Hoje, seguido por um bate-papo com o músico Maurício Pereira, ex-Mulheres Negras, e Wilson Souto, para depois ter a Filarmônica de Pasárgada e, após três horas, finalmente – ufa! -, a apresentação do Rumo, reunido mais uma vez, após quase 40 anos de uniões, hiatos e reuniões.
Até a frase sobre a Benedito Calixto, eu estava achando bastante sacal o tal do bate-papo com Wilson Souto e Maurício Pereira conduzido por Marianna Penna, em que a moça fazia perguntas sobre a diferença entre os suportes físicos tradicionais e o streaming, e a semelhança – ou dessemelhança – , entre a influência do período menstrual das baleias na formação das correntes marítimas e a forma com que se dá a fruição da beleza da música.
Para responder a tão angustiantes questões, Maurício Pereira falou asneiras grossas, como, por exemplo, que em 1995 estava para ser lançada uma tal de World Wide Web – o ano que a Mary estava colocando no ar o site do governo do Estado de São Paulo, www.saopaulo.gov.br, alguns anos após o lançamento, pelo belo empreendedorismo do Rodrigo Mesquita e do Júlio Moreno, do www.estadao.com.br, do qual eu viria a ser mais tarde o editor-chefe. Chegou também a proferir a insanidade de que todas as rádios só tocavam as músicas pagas por jabá – o que é uma agressão grotesca, grosseira, tosca, idiota, a milhares e milhares de programadores de jamais receberam um centavo das gravadoras para tocar esta ou aquela música.
E mesmo o bravo Wilson Souto falou asneiras, tipo a música brasileira teve grandes dificuldades para alcançar outros países porque as gravadoras multinacionais não tinham interesse em divulgá-la – ignorando coisinhas como o espetacular sucesso de Carmen Miranda em Hollywood, o estouro de velhos sambas, grandes bambas, tipo “Madureira chorou” na França nos anos 40, a fama mundial de “Aquarela do Brasil”, Vanja Orico cantando no primeiro filme de Federico Fellini, em 1951, Roberto Carlos vencendo em San Remo nos anos 60, Georges Moustaki, Sergio Endrigo e Ornella Vanoni cantando MPB, Nara Leão vendendo horrores no Japão – para não mencionar a paixão mundial pela bossa nova.
Mas aí, ao final daquele bate-papo chato como uma fala de Dilma ou de Bolsonaro – que no san lo mismo, pero que son iguales – Wilson Souto, o Gordo, saiu-se com aquela frase. Que a Praça Benedito Calixto era tão absolutamente especial que parecia que um disco-voador tinha parado nela.
E aí o Maurício Pereira falou a melhor frase dele em todo o bate-papo. Ele sintetizou: – “E ele ainda está lá.”
Me emocionei de olhos marejarem.
Ficaria emocionado outras vezes, depois que prosseguiu a noite de encerramento do Festival Líricas Paulistanas 2, com os shows da Filarmônica de Pasárgada, que eu não conhecia, e do Rumo, que conheço desde sempre. Gostaria muito de fazer um texto, ou mais de um texto, sobre os shows da Filarmônica e do Rumo – mas, antes de mais nada, quis fazer este texto aqui sobre o fato de que um disco-voador pousou na Praça Benedito Calixto, ali pelo final dos anos 70, início dos 80.
Na Praça Benedito Calixto, onde um disco-voador pousou trazendo coisas especiais, ali pela segunda metade dos anos 70, início dos 80, brincava uma garotinha de cabelinhos encaracolados que era a coisa mais absolutamente linda, fofa, maravilhosa deste mundo e de qualquer outro mundo que houver galáxias afora.
Ah, sim, tem que registrar: naquele início dos 80, levei a garotinha até o pequenino teatro no subsolo da praça para ver o grupo Rumo e também o Paranga.
Décadas depois, a filhinha dela, absolutamente linda, fofa, maravilhosa, como a mãe, ficaria fã de carteirinha de um dos membros do Rumo, o Paulo, então mais conhecido como membro da dupla Palavras Cantadas. Não sei se minha filha contou um dia para a filha dela, mas ela, minha filha, morou muito tempo no mesmo prédio em que morava também o Paulo, uma quadra acima da Benedito Calixto. São Paulo é como o mundo todo – e (ou mas) muitas vezes parece uma pequenina aldeia de uns mil habitantes.
27/5/2019
As duas fotos são de novembro de 1976.
A data da foto me confundiu… não pode ser a Fê… Muito menos a Marina.
Quem é essa bonequinha tão compenetrada?
Ô, Maria Helena, claro que é a Fê… Muito bebê ainda… Ela é de 1975… O Lira Paulistana foi inaugurado, ali naquela praça, em 1979,,, E em 1981 eu levava essa criaturinha linda ao Lira para ver o Rumo, o Paranga… A criaturinha ainda não tinha 7 anos anos quando a levei ao Teatro Municipal para vermos, sentados assim tipo na quarta fila, um recital acústico – sem qualquer tipo de microfone – de Tetê Espindola!
Fernanda teve a Vanguarda Paulista de canudinho!
Um grande abraço!
Sérgio