Aos trancos e barrancos o próprio presidente Jair Bolsonaro vai-se rendendo ao óbvio: impossível aprovar a reforma da Previdência sem uma ampla negociação com o Congresso. O presidente começa a perceber que vai precisar de aliados, e muitos, se quiser fazer acontecer o seu governo.
A negociação é uma via de mão dupla, na qual ônus e bônus são compartilhados entre parceiros. Isso não tem nada de ilegítimo ou de antirrepublicano.
O bolsonarismo prestou um enorme desserviço com seu discurso do “contra tudo o que está aí”. Simplificações grosseiras levaram a classificar o “presidencialismo de coalizão” como sinônimo do toma-lá-dá-cá, como se fosse possível, em um quadro de pulverização partidária, governar sem esse modelo. Aberrações ocorridas, sobretudo nos governos petistas, devem ser combatidas e descartadas. Mas confundi-las como inerentes à coalizão é jogar fora a criança com a água suja da banheira.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mostrou ser possível governar a partir dessa modelagem, associando-a a outro patamar ético. A conferir se Bolsonaro terá a mesma competência ou se continuará prisioneiro do discurso que se mostrou útil para a sua vitória nas eleições, mas absolutamente insuficiente para governar.
O recado tem sido dado de maneira muito explícita pelos partidos e parlamentares. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, sucessivamente tem cobrado do presidente que organize a sua base no Congresso. Parte da dificuldade reside no fato de Bolsonaro, a despeito de ter sido deputado por quase 30 anos, sempre ter feito política de forma bélica, dando caneladas, sendo pouco afeito ao trabalho de construir consensos, de fazer o meio de campo.
Seu time no Congresso, o PSL, não ajuda. É formado por vários amadores, muitos em primeiro mandato. A própria deputada novata Joice Hasselmann, catapultada a líder do governo, tem brilho próprio, mas falta-lhe experiência e estofo para exercer uma função tão estratégica.
O estilo voluntarista do presidente também atrapalha. Antes mesmo de o jogo começar, anunciou recuos na reforma da Previdência, em seus aspectos mais “impopulares”. Ora, se o presidente é o primeiro a ceder, a troco de que os parlamentares vão carregar o andor da impopularidade?
É uma questão de tempo para o ex-capitão entregar o comando das articulações a políticos profissionais, principalmente a Maia e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Mas eles só aceitarão a tarefa se não forem figuras ornamentais, se tiverem bala na agulha na hora da negociação política.
Os líderes partidários não têm pressa. Sabem que a governabilidade passa por eles. O Centrão continuará sendo tão importante como em outras gestões recentes, e o DEM estará para Bolsonaro assim como o MDB esteve para governos passados. Como são do ramo, retardam a entrada na base governista na certeza de que se valorizam com isso. O que se espera deles é que a relação se dê com valores republicanos.
A verdade é que a velha política está de volta. E isso não é necessariamente ruim.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 6/3/2019.