Políticos estão sempre em campanha, mesmo os que negam de mãos juntas. Mas costumam usar os anos ímpares para consolidar votos e engordar o eleitorado. O presidente Jair Bolsonaro faz a dieta inversa: queima popularidade na largada, boa parte dela desperdiçada em questões comezinhas, distantes de tudo aquilo que é importante e urgente para o país.
Resultado: entre a vitória de outubro e o segundo mês de governo, o ex-capitão parou no empate técnico. Com aprovação pessoal de 57,5% de acordo com pesquisa CNT/MDA, cresceu apenas dois e meio pontos percentuais acima dos 55% que o elegeram, perdendo feio para a sua antecessora, a presidente cassada Dilma Rousseff, que em fevereiro de 2011 gozava de 70% de aprovação depois de ter conseguido se reeleger com apertados 51,6% dos votos.
Parte disso se deve ao fato de Bolsonaro e seu governo gastarem energia em excesso com baboseira ideológica. Dão corda para convertidos e, com força idêntica ou até maior, afastam aqueles que votaram no ex-capitão não por amor à extrema direita, mas por ojeriza ao PT e à corrupção que virou sinônimo do petismo.
Besteiras que não se limitam aos absurdos protagonizados pelos ministros alinhados com o ultradireitista Olavo de Carvalho, que, para o bem de todos, são apenas patacoada, e, portanto não se materializam. Foi assim com as ideias fascistas do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, que queria filmar crianças perfiladas cantando o Hino Nacional para usar em propaganda oficial. Isso depois de já ter pregado o direito de o presidente quebrar o sigilo das provas do Enem para tirar delas o viés de esquerda. O mesmo se viu na cruzada do chanceler Ernesto Araújo contra o marxismo cultural e nos ditos tortuosos do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aquele que não sabe quem foi Chico Mendes. Ou ainda da ministra Damares Alves, cujo discurso remete quase sempre a piadas prontas.
No que realmente é relevante, Bolsonaro derrapa. Parece nem mesmo compreender o sentido da premência e da necessidade, ambos aplicáveis à reforma da Previdência, da qual o presidente demonstra estar apenas parcialmente convencido. Do contrário, não teria desarmado o ministro da Economia, Paulo Guedes, antes mesmo de a guerra da reforma ter início no Congresso.
Ao admitir rever a idade mínima para aposentaria das mulheres, o valor pago aos maiores de 60 anos e mudanças nas pensões, o presidente reduziu drasticamente o espaço de negociação com os parlamentares. O possível afrouxamento, anunciado em entrevista a jornalistas previamente selecionados, da qual foram excluídos os maiores diários do país – Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo -, foi um gancho de esquerda em Guedes, que, mesmo duro na queda, vê cada vez mais distante a hipótese de aprovar uma reforma de fundo.
Com o punho direito o presidente também desferiu um golpe duro contra o ministro da Justiça, Sérgio Moro, cassando a carta branca de livre nomeação que dera ao ex-juiz. Fez Moro desconvidar Ilona Szabó, especialista de renome internacional que havia sido indicada pelo ministro para a suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Nas redes, o recuo de Moro virou comemoração de um dos filhos do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, cuja ira foi compartilhada por milhares de fieis. E lamentado por aqueles que enxergam um passo além dos grilhões ideológicos. Elegante, Ilona disse que ainda assim está disposta a ajudar o país, verbalizando o que Bolsonaro ainda não se deu conta: “Um presidente tem de construir diálogos e consensos”.
Difícil crer que Bolsonaro não perceba os danos de desautorizar as duas estrelas de primeira grandeza de seu governo. Guedes, o Posto Ipiranga, avalizou o então candidato junto ao mercado, dando aura liberal a quem durante décadas como deputado incorporava um estatizante de carteirinha. Moro, por sua vez, encarna o combate à corrupção, uma das maiores queixas do eleitor que apostou no ex-capitão. Sem eles, ou com eles abatidos pelo chefe, as dificuldades do governo, que já não são poucas, se multiplicarão. E não há rede social que salve.
Passa da hora de o presidente compreender que 2019 não é ano eleitoral, e que o ambiente digital alicerçado em ódio que sustentou sua campanha tem valia limitada para a governança.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 3/3/2019.