Tinha mesmo que fazer a intervenção

É correta a decisão do governo Temer de promover a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

Pode ter sido anunciada sem um competente planejamento prévio. Podem ter pesado na decisão fatos e ponderações que não têm a ver com a questão em si, como uma forma de deixar de lado reforma da Previdência, já que os indícios são de que não há mesmo votos para aprová-la, ou uma tentativa desesperada de anunciar uma medida que possa trazer alguma aprovação popular em ano eleitoral.

Muito pior ainda: pode não dar certo. Pode não produzir os resultados esperados pela população. A questão da criminalidade é extremamente complexa, o combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas, às milícias – que há décadas agem absolutamente à vontade no Rio – é dificílimo. E as Forças Armadas não estão preparadas para essa guerra urbana, não existem para isso, não foram treinadas para isso.

Se a intervenção vier a fracassar, não haverá mais nenhuma arma, nenhuma instituição a que se recorrer. Seria – além da desmoralização absoluta não só do governo Temer, mas também das próprias Forças Armadas – a derrota final das instituições, do Estado. Seria a capitulação definitiva diante do crime.

No entanto, mesmo assim, mesmo considerando todos esses elementos, é correta a opção pela intervenção.

Até porque simplesmente não tinha outro jeito.

Não seria possível o governo federal assistir à escalada de violência e de dominação do Rio de Janeiro pela bandidagem e não esboçar reação alguma.

“Era mesmo imperioso decretar a intervenção na área de segurança do estado, historicamente problemática, com infiltrações visíveis do crime organizado”, resumiu em editorial neste sábado, 17/2, o jornal O Globo.

E mais adiante:

“O comandante militar do Leste, general Braga Netto, tem a vantagem de já ter atuado em ações articuladas no Rio, de curto prazo, destacando-se o trabalho de segurança na Olimpíada de 2016. Conduziu, também, uma operação semelhante no Espírito Santo. Com os poderes de interventor, terá oportunidade de remover gargalos que impedem uma efetiva coordenação entre as Forças Armadas e as polícias fluminenses. Em ações tópicas anteriores, houve até sabotagem na área de informações para desacreditar as forças federais.

“Não há uma solução instantânea para a crise de segurança no Rio, parte de um problema que é nacional. Portanto, a intervenção em si é apenas um meio para conter e reverter a debacle. E restaurar o estado de direito, o que é fundamental. Serão necessárias ações efetivas na cidade, no estado e nas fronteiras, numa intensidade ainda não vista.”

***

Este texto aqui serve como um mea-culpa: na madrugada da sexta-feira, 16/2, assim que li a notícia da intervenção, fiz um post no Facebook lamentando e condenando a decisão do governo.

Foi uma reação imediata a partir dos temores que expus no terceiro parágrafo deste texto aqui: o perigo de não dar certo. “É uma manobra arriscadíssima. 99,99% de chance de só dar merda”, escrevi.

Não são temores insensatos, fora de propósito – isso é preciso dizer. No próprio Facebook, comentando meu post, meu amigo Reinaldo de Albuquerque Bierrenbach afirmou que a intervenção poderia servir para desmoralizar as Forças Armadas: “As Forças Armadas não são preparadas para esse tipo de guerra. Esta é uma guerra perdida, como foram as guerras da Indochina com os franceses e o Vietnã com os americanos”.

Não é opinião vinda de curioso, de mal informado – muito antes ao contrário. O sobrenome atesta que Reinaldo vem de família de militares: seu pai, o almirante Júlio de Sá Bierrenbach, entrou para a História do Brasil como o oficial que lutou como pôde para que fosse investigado o atentado cometido por militares no Riocentro em 1981, quando se realizava um show de música popular brasileira pelo 1º de Maio – e que a ditadura tentou transformar em ato praticado por terroristas de esquerda.

***

Não sou nem quero ser, de forma alguma, uma metamorfose ambulante – até porque a imagem criada por Raul Seixas foi absolutamente conspurcada, tornada lixo, pelo então presidente Lula. Mas não me nego jamais a mudar de idéia diante de argumentos sólidos.

E há muitos argumentos sólidos e válidos em favor da intervenção federal na área de segurança do Estado do Rio.

Ascânio Seleme escreveu em O Globo deste sábado, 17/2:

“Não que o presidente Michel Temer seja a pessoa mais adequada para entregar a sua segurança, mas do jeito que estava, com um governador inepto e um prefeito ausente, o carioca não tem por que reclamar. Pelo menos agora tem gente que parece estimulada a enfrentar a criminalidade que assola o Rio. E gente que tem recursos para empregar em favor da segurança pública. (…)

“E o governo federal tem os meios para fazer valer a autoridade policial sobre o crime organizado do Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, pode usar amplamente as forças armadas, já que o novo comandante da segurança é general, um servidor público federal. E o comando único em sua mão evita ridículos conflitos de vaidade, que já se viu em outras ocasiões com os mesmos personagens.”

***

Em editorial com o título “Uma intervenção injustificável”, o Estadão escreveu o seguinte:

“Ainda que se concluísse que a intervenção era mesmo necessária, é difícil compreender por que não se poderia esperar até depois da votação daquela reforma (a da Previdência), pois não há notícia de ameaça iminente à ordem pública – apenas a rotineira violência das balas perdidas, dos morros conflagrados e dos assaltos a turistas. E se dizemos que a violência é rotineira é porque o desgoverno do Rio e a corrupção que corrói o aparelho do Estado de alto a baixo fizeram do horror o cotidiano daquela população.

Que frase!

“Não há notícia de ameaça iminente à ordem pública – apenas a rotineira violência das balas perdidas, dos morros conflagrados e dos assaltos a turistas.”

Apenas isso!

Esse parágrafo – que mereceria ir para a história do grande jornal como um dos mais infelizes já escritos em seus respeitabilíssimos 138 de vida independente – é um argumento fortíssimo a favor da intervenção.

***

Outro amigo meu, Aníbal Sá, tem outro argumento poderosíssimo: segundo ele notou, a imensa maioria das críticas à intervenção vem de gente que não mora no Rio de Janeiro.

De fato: O Globo defende, O Estado de S. Paulo ataca.

Bala perdida nos filhos dos outros lá longe não mata os filhos da gente.

Aníbal enumerou sete perguntas dirigidas a quem é contra a intervenção. As primeiras duas são:

“- Você dorme e acorda ouvindo tiroteios, ao menos, 2 vezes por semana, quando não é diariamente?

“- Você consulta as redes sociais para saber se no entorno de sua residência ou para o local onde vai está havendo tiroteio ou operação policial?”

Ao final do questionário, ele sugere:

“Se sua resposta for não, venha ao Rio e passe uma semana de férias. De preferência traga seus eletrônicos mais modernos, suas roupas de grife e todos seus cartões de crédito.”

***

E, finalmente, há um argumento a favor da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro que é definitivo. Absolutamente definitivo. Assim que tomei conhecimento dele, poucas horas depois de ter feito meu post lamentando a decisão do governo Temer, comecei a mudar de idéia.

O PT é contra a intervenção.

Se o PT é contra, então é prova de que a intervenção é boa, é correta, é necessária.

A senadora Gleisi Hoffmann falou as patacoadas dela contra a intervenção. O deputado Paulo Teixeira falou as dele. O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta, disse que as bancadas do partido votarão contra a intervenção.

O PT, como sempre é bom lembrar, foi contra Tancredo Neves no colégio eleitoral, foi contra a participação da então petista Luisa Erundina no governo de salvação nacional de Itamar Franco, foi a princípio contra assinar a Constituição de 1988, foi contra o Plano Real, foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, hoje é contra a reforma da Previdência mesmo tendo aprovado algumas medidas de reforma da Previdência quando esteve no governo.

Se o PT é contra, então a intervenção é boa, é correta, é necessária.

17/2/2018

2 Comentários para “Tinha mesmo que fazer a intervenção”

  1. Nada convence mais sobre o acerto da intervenção federal na Segurança do Rio do que o PT ser contra.
    Vai dar certo? Não sei. Ninguém sabe. Mas não podia deixar de ser tomada essa decisão, diante do descalabro em que vive o Rio.
    Se não funcionar a contento, então não restará mais nada além da intervenção total. Que os cariocas pensem bem nisso e que os paulistas, por favor, torçam por nós!

  2. Parabéns meu amigo Servaz, mais um brilhante texto para sua eterna coleção! Bravo ! Bravíssimo!

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *