Mais do que nunca o Brasil vai precisar de uma oposição capaz de cumprir a missão delegada pelas urnas de fiscalizar o governo e cobrar a execução do seu programa e promessas eleitorais. Essa responsabilidade aumenta diante das incógnitas sobre como se comportará o presidente eleito, que emite sinais em direções diferentes.
De um lado, Jair Bolsonaro assume compromissos de seguir rigidamente a Constituição, de respeitar e defender as liberdades, o que é altamente positivo. De outro, incita e mantém o anátema, ameaçando desafetos e de fazer represálias a órgãos de imprensa, o que é extremamente preocupante.
Não se discute, portanto, a importância da existência de uma oposição forte e atuante. Isto é da democracia. O que está em debate é que tipo de oposição o Brasil precisa para superar a radicalização e polarização dos últimos quatros anos e, assim, poder equacionar seus problemas em um ambiente democrático.
As urnas fizeram da oposição um território sem dono. No novo quadro, é impreciso falar na oposição como um corpo único. O mais correto é apontar oposições, pois existem projetos distintos em campo.
O discurso de Fernando Haddad ao final da apuração dos votos foi decepcionante, mais um vexame numa campanha lamentável, e deixou claro o caminho a ser seguido pelo PT: hegemonizar a oposição com a narrativa de que o país marcha para o fascismo e que para barrá-lo impõe-se uma “frente antifascista”, sob o seu tacão, claro. Essa falácia subestima a resiliência de nossas instituições, entre as quais as Forças Armadas, e agride os quase 60 milhões de eleitores que elegeram o novo presidente.
A chantagem da “frente antifascista” não funcionou no segundo turno e tem bem menos apelo agora. Não gratuitamente Ciro Gomes rechaçou de pronto a proposta, com o seu grito de independência: “PT, nunca mais!”
O Partido dos Trabalhadores propõe uma oposição antiga, analógica, cujas concepções foram derrotadas pelas urnas exatamente por seu arcaísmo. Mantém inalterado seu discurso mistificador do golpe contra Dilma Rousseff, da prisão “injusta” de Lula, do “nós contra eles”, que o Brasil tanto cansou e rechaçou nas urnas. Enfim, quer a oposição prisioneira de um presidiário.
O projeto petista continua com a cabeça nos anos 50, no “nacional-desenvolvimentismo” e nos tempos da guerra-fria, quando os Estados Unidos eram vistos como o grande polvo imperialista a explorar os povos oprimidos.
Exatamente por isto, seus teóricos não tem uma explicação para uma constatação extremamente incômoda. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a direita nacional-populista venceu com os votos das áreas mais atrasadas e dos grotões. No Brasil aconteceu exatamente o contrário: a direita venceu nos pólos dinâmicos do capitalismo brasileiro (urbano e agrário) e foi a esquerda que saiu vitoriosa no eixo inverso. O que há de progressista nisso?
O Brasil precisa de outro tipo de oposição.
Uma oposição moderna, digital, antenada com os resultados das urnas, capaz de dar respostas às demandas do país. As urnas abriram espaço para uma oposição construtiva, que morda e assopre, apoie e critique, para usar a definição do cientista político Marco Aurélio Nogueira.
As urnas também abriram espaço para uma oposição que se contraponha ao hegemonismo do PT, pautada na defesa dos valores democráticos liberais na política, na economia e nos costumes, na intransigente defesa do Estado laico, no enfrentamento das desigualdades, e de um modelo econômica e ambientalmente sustentável.
Nesse barco cabe o pessoal da social-democracia, ambientalistas, liberais, democratas de diversas colorações, socialistas, movimentos cívicos e identitários, coletivos, pessoas sem partido ou definições ideológicas, mas identificadas com a democracia.
Na essência, trata-se de se constituir um novo centro político, cujo grande desafio hoje é superar sua dispersão em várias siglas partidárias, quem sabe por meio de uma nova formação política.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 31/10/2018.
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