Ao contrário do dito popular do futebol, política não é uma caixinha de surpresas. Quanto mais por aqui, onde as regras são definidas pelos próprios jogadores que querem continuar em campo. Perdeu quem apostava em alguma novidade nas alianças agora anunciadas, que, após ameaças de vindas e idas, recolocam os competidores nas suas raias habituais.
Com um cavalo de pau à esquerda depois fazer todo tipo de juras e mesuras e não conseguir seduzir a direita com assento no Centrão, Ciro Gomes abriu, na sexta-feira, o calendário de convenções partidárias que se estende até 5 de agosto.
O bloco que rejeitou o pedetista pousou na candidatura de Geraldo Alckmin como fênix, conferindo ao tucano larga maioria de minutos no horário de rádio e TV, última aposta para repô-lo na disputa.
O machão Jair Bolsonaro, líder nas pesquisas, ficou só, e terá, para seu desgosto, de engolir uma vice, Janaína Paschoal, até poucos dias rejeitada por ele com afinco. A solidão também parece ser o destino de Marina Silva. E de Lula da Silva.
No máximo, o PT tenta atrair Manuela D’Ávila (PCdoB) para o papel de vice de um candidato que legalmente não pode ser candidato, negando a ela a posição do chefe depois de confirmado o impedimento.
Com cada um dos postulantes colocados em sua posição de origem, Lula, mesmo na cadeia – e talvez até por estar lá – é o único fora da caixa. Ele e o PT sabem disso e tentam tirar o máximo proveito.
Depois de conseguir reaglutinar alguns desgarrados a partir da peraltice do plantonista do TRF4, Lula emplacou um artigo na Folha de S.Paulo, “em comemoração” aos 100 dias de prisão. E seu partido lançou, no dia seguinte, as “ideias-força” de um plano de governo, coordenado pelo ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que já esteve melhor colocado entre os cotados para substituir Lula nas urnas.
Com cinco eixos, seis páginas e alguns erros graves de digitação, o plano é um amontoado de palavras de ordem adolescentes que vão desde a “democratização dos meios de comunicação de massa” ao “combate de privilégios”. Passa por um “processo constituinte”, seja lá o que isso quer dizer, reforma da Justiça para a “garantia de direitos” e “reforma bancária”. Assusta quando fala em reafirmação do legado dos governos do PT – que custaram e continuarão custando bilhões de reais aos pagantes de impostos – e da redução das tarifas de energia, prática adotada por Dilma, que afundou de vez a Eletrobras e todo o sistema energético nacional.
Jogando para a plateia e seguro de que não será instado a cumprir uma linha sequer do que está escrito – até porque sabe que a Lei da Ficha Limpa proíbe a candidatura de Lula -, o PT incluiu no plano a implantação da “renda básica da cidadania”. Projeto de vida do ex-senador Eduardo Suplicy que o PT descartou nas quatro vezes em que chegou ao Planalto. Bonitinho no papel que tudo aceita, impraticável em um país com déficit na casa de R$ 300 bilhões.
Ações bem coordenadas de marketing, algo que o PT sempre soube fazer com maestria, têm mantido o partido e o candidato que não pode ser candidato na mídia. Uma estratégia com dias contados que deverá dar lugar a uma batalha judicial sem precedentes quando a impugnação de Lula for oficializada.
Depois de tanto disse-me-disse em torno de incertezas quanto às eleições, as alianças mais lógicas, gostem-se delas ou não, foram consolidadas. Com isso, a única novidade de 2018 é o indeferimento da candidatura à Presidência de um condenado por decisão colegiada em segunda instância. Ao procedê-la, o país mostrará a maturidade de sua democracia. Do contrário, se condenará à lama.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 22/7/2018,
Parabéns! Ótimo, como sempre.