Me Tarzan, you Jane

A ver se nos entendemos

A pedestre agramaticalidade de “Me Tarzan, you Jane” nunca foi dita por Johnny Weissmuller nesses pequenos ensaios fílmicos hollywoodianos que projectaram de liana em liana a filosofia de Jean Jacques Rousseau.

Com uma cortesia de selva, Johnny bate no peito e diz apenas “Tarzan”, depois, à Wittgenstein, aponta o dedo para Maureen O’ Sullivan e diz “Jane”. Estamos apresentados.

Desenganem-se, podem ver Casablanca de trás para a frente, fazer o pino até, mas nunca ouvirão da boca sueca de Ingrid Bergman a mítica réplica “Play it again, Sam”. Não é que ela não peça música, mas o inglês que o argumentista lhe pôs nos singulares lábios pré-Ikea é bem mais sofisticado: “Play it once, Sam, for old times sake.”

E nem queiram saber o que o acaso faz pelos filmes. A frase «Vocês ainda não ouviram nada!», emblema de Jazz Sin­ger, pri­meiro filme sonoro, disse-a Al Jol­son a experi­men­tar os micro­fo­nes, sem saber que esta­vam a gra­var. Era uma profecia, perceberam todos. E a frase ficou no filme.

«I Want to Be Alone», esse “quero ficar sozinha”, roucamente anunciado por Greta Garbo, converteu-se na perfeita expres­são da ina­ces­si­bi­li­dade da primeira de todas as suecas. A réplica per­se­guiu a actriz, em múl­ti­plas vari­an­tes, desde o «I am walking alone because I want to be alone», inter­tí­tulo de um dos seus últi­mos fil­mes mudos, até às segundas inten­ções do «Vai para a cama, paizinho, nós queremos ficar sozinhos” com que, camarada comunista, em Ninotchka, alivia das obrigações laborais um velho mordomo, perguntando antes ao atroz capitalista que a está a tentar seduzir e por certo explora o pobre homem, “Você chicoteia-o?”, vigorosa acusação sindical que poria um toque freudiano no actual argumentário de um Arménio Carlos.

Em La Fête à Hen­ri­ette, a bela Hil­de­gard Knef, generosamente estendida numa chaise longue, deixa correr a voz entre a sugestão e a elipse, jogando à gata e ao rato, com um homem em ânsias. Ela pergunta: “Em que está a pensar?” “Em que penso?” espanta-se ele.
“- Sim. Quer que lhe diga? Está a pensar no que eu estou a pensar?
– No que você está a pensar?
– Exac­ta­mente. E penso que se está a pensar que penso o que você pensa, não estamos longe de nos entendermos.”

Era para isto, para nos entendermos, que em tempos se fazia cinema.

Este artigo foi originalmente publicado no jornal português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a velha ortografia. 

 

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