O mergulho baptismal nas águas do Jordão foi essencial para o êxito do cristianismo. A imersão nas águas desse rio, pelas seguras mãos de um nadador-salvador como era São João Baptista, só podia ser redentora, salvífica e lustral. Eram águas cálidas de um Médio Oriente sufocante. Mergulhava-se de túnica vestida e era tão bom como Deus achava que era boa a Sua Criação – que, não desfazendo, não é má de todo.
E, voltando às águas, é verdade, se me perdoam o sibilino desvio, que ainda hoje se atiram pessoas vestidas para a piscina com propósitos menos refrescantes, e em festas que julgo terem pouco de cristãs, passe embora serem organizadas sob o signo do amor a qualquer próximo.
As águas sagradas do Jordão chegam a 28º Celsius e não andaria longe disso o mar da Praia do Sol ou da linha de costa sudeste do Mussulo, as duas praias em cujas águas eu lavava os dilemas em lume adolescente com que fiz a minha primeira despedida do magnífico e maternal catolicismo.
Terei visto, por essa altura, entre 1967 e 1969, The Greatest Story Ever Told. O filme é de George Stevens, o mesmo George Stevens que um dia, nos anos 50, pôs Montgomery Clift a bater a melhor bola de bilhar que já alguém bateu ou baterá a Elizabeth Taylor. E talvez não fosse já o mesmo George Stevens, passe embora o facto de Charlton Heston, que no filme é João Baptista, mostrar mais o redondo peito do que a Taylor o mostrava no saudoso A Place in the Sun.
Jesus Cristo era o herói suave e épico desse The Greatest Story Ever Told, que juro ter visto no Miramar, a baía de Luanda em fundo. E, pelo menos em Luanda, Jesus, no filme, era sueco. O imenso Max Von Sydow emprestava a Nosso Senhor Jesus Cristo os olhos azuis e a pálida pele pré-rafaelita de uma Elizabeth Siddal. Falava inglês com sotaque viking, em atroz incompatibilidade com o Espírito Santo, que lhe recusou o dom das línguas. Dizia, “Eu sou a Ressurreição”, metendo um “z” e roubando nos “érres”, o que mais magoou as minhas feridas dúvidas metafísicas.
O rio Jordão, conta Charlton Heston, filmaram-no no frio Novembro do Colorado. Quando Heston enfiava a cabeça dos fiéis na água gelada alguns emergiam inconscientes ou quase sufocados. Enregelado, disse ele a Stevens: “Se Jesus tem nascido no Colorado, o cristianismo não vingava, juro-te eu.”
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a velha ortografia.
https://youtu.be/V0dKaIB_fo8
Nota do administrador: Este artigo foi o último dos de autoria de Manuel S. Fonseca originalmente publicados no jornal português O Expresso a ser republicado no blog Escrever é Triste. Os Tristes, como eles se chamavam, resolveram encerrar o blog que haviam criado sete anos atrás.
Manuel S. Fonseca resolveu criar um novo blog, A Página Negra de Manuel S. Fosenca. E, nele, creio, continuará republicando, a cada semana, suas crônicas sobre filmes, o mundo do cinema, e suas relações com a vida o amor a morte. Sorte grande de seus leitores – e também dos leitores do 50 Anos de Textos, que a escrita maravilhosa desse gajo continuará abrilhantando. (Sérgio Vaz)