Como na hora do gol

A cada gol, muita comemoração, muita barulheira. Pergunto: por que só no futebol, nos esportes? Por que não para os simples mortais? Vamos imaginar Sérgio Vaz tentando uma manchete de página no Jornal da Tarde daqueles bons tempos.

Na redação, um telão mostra o que ele escreve. Servaz dribla um lugar-comum, saí de um gerúndio, escanteia uma idéia de girico e… saca um título genial! Servaz sai como um louco pela redação, se atira no chão, escorrega de joelhos. Os repórteres, a diagramação, os contínuos, o moço do cafezinho se jogam em cima dele, fazendo festa. Não é bonito?

A realidade era bem outra. O agrado supremo era Murilo Felisberto, grande treinador, digo, diretor, erguer o indicador e dizer ao autor do gol: “Brilhante!”.

Sobre o futebol, gostaria de lembrar que foi criado na Inglaterra. Portanto, não se justifica essa falta de modos cada vez que um jogador marca um gol. Seria muito mais apropriado que o goleador se mantivesse parado, à espera dos cumprimentos. Um colega apertaria sua mão, e diria: “Meus parabéns”. Outro poderia ser mais efusivo. “É uma honra jogar a seu lado”. A torcida bateria palmas.

Já que é como é, está na hora de agitar também eventos de outra natureza, como a entrega do Oscar. Abaixo o glamour. Torcida na platéia! Paixão e vuvuzela. O apresentador começa a falar BEEEEEEEE. O Oscar vai para BEEEEEEEE. Nas brechas em que é possível o anúncio, o vencedor de efeitos especiais, um brasileiro, ergue a estatueta acima de sua cabeça, em homenagem ao gesto de Bellini na Copa de 1958. O tradutor para o público da televisão se espanta, não sabia que Fellini tinha sido craque de futebol.

Por fim, é preciso arejar a Academia Brasileira de Letras. Sem vuvuzela, mas com júri. Os vestutos senhores candidatos à vaga de imortal respondem a perguntas, como em qualquer disputa.

– Qual é sua obra predileta?

O Pequeno Príncipe.

(Informo, constrangido, que Mary disse a Servaz que ele seria louco se aceitasse um besteirol como o apresentado acima. Servaz bateu pé, ela chamou o Juqueri. O amigo está internado e não há previsão de alta.)

Julho de 2018

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