Aos infiéis, os milhões

Começou na quinta-feira e vai até 7 de abril o leilão eleitoral que deve arrematar mais de 50 dos 513 deputados federais e uma centena dos 1.024 estaduais do país. Ainda que amparado por lei, aprovada pelos próprios beneficiários no ano passado, o troca-troca é um dos absurdos do sistema brasileiro. Um desrespeito desmedido ao eleitor.

E não é o único: somam-se a ele os fundos públicos (o eleitoral, de R$ 1,7 bilhão, e o partidário, de R$ 888 milhões), o privilégio para os ricos, que poderão empenhar suas fortunas pessoais na campanha, o conto da carochinha de que o caixa 2 foi excluído com o advento do financiamento do Tesouro. E ainda a permissão para coligações de conveniência ou os olhos vesgos para os palanques antecipados – sabe-se lá custeados por quem -, visíveis a olho nu e sem qualquer punição.

A janela da infidelidade, que há dois anos mexeu com a filiação de 90 deputados federais, é um escândalo. Contraria o princípio da proporcionalidade, critério pelo qual, goste-se ou não, os parlamentares são eleitos. Por ele, candidatos com poucos votos chegam ao Olimpo puxados por campeões, e votos conferidos só à legenda contam para aumentar a bancada do partido.

A família e apoiadores do deputado-candidato Jair Bolsonaro inauguraram a janela 2018, levando sete parlamentares para o minúsculo PSL, que pulou de três para 11 deputados e imagina fechar a vidraça com pelo menos 20. O DEM elegeu 31 federais em 2014, tem 33, e sonha entrar abril com 45. O PR quer pular dos atuais 37 para 42, e o PP, hoje com 45, sete a mais do que elegeu há quatro anos, imagina chegar a 60 deputados.

As perdas devem sobrar para o PT e o PSDB, que de 2014 para cá já viram suas bancadas serem reduzidas de 68 para 58 e de 54 para 46, respectivamente.

A pulação de galho em galho sempre foi uma excrecência, mas hoje a barganha é ainda mais desavergonhada.

Até 2014, a corrida atrás dos deputados de outras siglas se dava, basicamente, para ampliar segundos no horário de propaganda eletrônica dito gratuito. Não raro – e nada garante que não irá se repetir – utilizavam-se também coligações com partidos de aluguel para satisfazer a mesma cobiça.

Agora, além do rádio e TV, o argumento é dinheiro vivo de fundos pagos por todos os brasileiros – R$ 1,5 milhão ofertam o PT, MDB e PSDB, R$ 1,8 milhão a R$ 2 milhões cobre o PTB, R$ 2,5 milhões grita o DEM.

Lances feitos e administrados diretamente pelos donos dos partidos.

Em pleno século XXI, o Brasil caminha firme e forte para institucionalizar o coronelismo. Só terá dinheiro na campanha eleitoral quem o chefe mandar. Ou os ricos e muito ricos, o que no es lo mismo pero es igual.

Só o eleitor, negando votos aos oportunistas, pode consertar esse descalabro.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 11/3/2018. 

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