É muito cedo para fazer grandes avaliações sobre os rumos de um governo que sequer começou. Mas, com pouco mais de uma semana da eleição, é possível concluir que Jair Bolsonaro marcou alguns tentos em determinadas áreas e pisou na bola em outras. Embora demonstre desconhecimento do tamanho do campo e de várias regras do jogo, até aqui o placar lhe é favorável.
A escolha dos primeiros nomes da equipe indicam sua disposição de não lotear politicamente o governo. A de Sérgio Moro pode ser vista como um gol de placa. Sinalizou o compromisso com a agenda de combate à corrupção e ao crime organizado, duas fortes demandas da sociedade.
Na rubrica dos seus acertos tem a política econômica descortinada por seu superministro Paulo Guedes. Ela vai na direção da abertura da economia, de sua integração competitiva nas cadeias produtivas globais, de modernização da infra-estrutura, da atração de fortes investimentos externos por meio de um amplo programa de privatização, de conquistar novos mercados externos por meio de acordos bilaterais.
Também é positiva a intenção de enfrentar o grave problema do déficit público por meio da reforma do Estado. Mas aqui começa o bate-cabeça com a sua equipe.
Publicamente o presidente diverge da idéia do seu posto Ipiranga de uma Previdência com base na capitalização. Sem entrar no mérito da proposta, a discordância gera instabilidade no mercado por alimentar a percepção de que as cabeças de Paulo Guedes e Bolsonaro são antípodas, motivo para desconfianças quanto sua conversão de estatista em liberal.
O presidente eleito joga contra quando acena com medidas que podem comprometer profundamente o agronegócio, setor da economia brasileira que mais tem obtido ganhos de produtividade e é responsável pela geração de milhões de empregos e divisas.
A idéia de fundir a Agricultura com o Meio-Ambiente é duplamente desastrosa. Menos mal que em entrevista à imprensa o presidente eleito tenha dado sinais de recuo em relação a essa fusão. De um lado, revela desconhecimento em relação à questão ambiental, que não se limita apenas à questão agrícola, e, de outro, compromete o desempenho do agronegócio.
A União Européia é um dos principais importadores da nossa produção de grãos. Cada vez mais os países consumidores exigirão certificados que atestem o desenvolvimento sustentado. Atender a tais requisitos não é uma questão de ideologia, é uma exigência do mercado.
Bolsonaro vai para a marca do pênalti quando acena com mudanças na política externa que comprometem seriamente a política de pragmatismo responsável arduamente construída pelo Itamaraty. E arrisca-se a tomar uma goleada ao tratar questões complexas com leviandade.
A China é o nosso principal parceiro comercial, com o qual temos um superávit de US$ 20 bilhões. Nos próximos 15 anos, os chineses pretendem importar US$ 40 trilhões em bens e serviços. Vamos ficar de fora desse mercado por causa da busca de afinidade do presidente eleito com Donald Trump?
Ele também entra em rota de colisão com os países árabes ao querer transferir a embaixada brasileira para Jerusalém. Temos com esses países um superávit na balança comercial de US$ 7 bilhões e exportamos tão somente R$ 400 milhões para Israel. Por que fazer uma provocação grosseira aos árabes, que podem muito bem retaliar, como já deixou claro o Egito?
É sabida a admiração de Bolsonaro pelos governos militares. Deveria, portanto, se espelhar na política soberana do ex-presidente Ernesto Geisel, cujo pragmatismo responsável o levou a restabelecer relações diplomáticas com a China. Geisel não era um comunista, longe disso. Apenas priorizava os interesses nacionais.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 7/11/2018.
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