Democracia implica necessariamente em tolerância com o diferente. É preciso sempre ouvir o outro.
Ser progressista é uma visão de mundo, uma visão moderna, de quem entende as profundas mudanças pelas quais o mundo está passando.
(São frases que anotei ao longo de uma fala de Fernando Henrique Cardoso a cerca de cem pessoas reunidas no auditório de sua fundação, no Vale do Anhangabaú, pela Roda Democrática, iniciativa de Tibério Canuto Queiroz Portela, nesta quinta-feira, 22/2. Não são uma reprodução ipsis literis do que FHC falou – são mais como as gravei, como anotei na hora. São uma pálida amostra do banho de inteligência com que ele brindou a platéia. Este texto não é, de forma alguma, nem pretende ser, uma síntese, um resumo da fala de FHC; é uma anotação enxuta, rápida, despretensiosa.)
Mudou o mundo com a globalização. E mais ainda: com o desenvolvimento da tecnologia, a chegada das novas tecnologias.
Os novos milionários vêm da área de criação, das novas tecnologias.
A tecnologia é concentradora de renda.
Largas partes da população do mundo inteiro estão ficando e vão ficar à margem da produção de riquezas.
A sociedade antes se marcava pela divisão entre classes, e em geral os partidos políticos representavam ou tentavam representar cada classe social. Hoje, a sociedade mais se divide por questões identitárias – os negros, as mulheres, os LGTB. Como então fazer política, em um mundo dividido entre identidades diferentes, e política se faz com a tentativa de uniões?
No Brasil, na estrutura política brasileira, é preciso que o presidente da República saiba lidar com o Congresso. Quem não sabe lidar com o Congresso, cai.
Erramos (em vários pontos) ao elaborar a Constituição. Era natural: depois da ditadura, só queríamos dar todas as liberdades.
O Brasil nos últimos anos parou, estancou na economia, na produção de riquezas, e se isolou do resto do mundo. Não acompanhou as mudanças da economia e deixou de ser importante para os demais países. Nem sequer para os países da América do Sul somos hoje um país importante.
Sim, o próximo governo será necessariamente de transição. O modelo que vinha até agora se esgotou, é preciso achar outro.
Houve um desregramento geral do país, ao longo das últimas décadas, e isso tem a ver com a explosão populacional. Temos hoje 200 milhões de habitantes, e desregrou tudo. Hoje não se respeita mais o professor – na periferia, o professor corre o risco de apanhar dos alunos.
Não é o PT, não é a esquerda que é forte no Nordeste – é a pobreza.
Nós estamos do lado da sociedade, e não do mercado.
A novela da TV Globo está à frente dos partidos políticos. Os partidos têm enorme dificuldade para falar dos problemas da vida, como, por exemplo, as drogas. (O aborto, a pena de morte.) O partidos têm medo do que é controvertido.
Política não é tese – é o concreto.
O povo é pragmático – o povo sabe o que quer.
O líder não tem que seguir o povo – assim ele não é líder. O líder tem que ir junto com o povo, e ser capaz de mostrar ao povo como se conquista o que ele está querendo.
Práticas que eram usuais passaram a ser consideradas crime grave – e isso é complexo. É necessário que a Justiça estabeleça o que é crime e o que não é crime, e as diferentes graduações.
Ética, violência, emprego. Esses serão os grandes temas da eleição de 2018.
No mundo contemporâneo tudo aparece. Não dá para esconder nada. No meio de tanta fake news, a verdade sempre aparece.
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Aos 86 anos, Fernando Henrique Cardoso é seguramente a voz mais lúcida que se pronuncia sobre o Brasil.
Tem a elegância de um príncipe, de um Lord, por mais que isso irrite os adoradores do demiurgo de Garanhuns.
Mas não é a elegância, o porte, o aplomb que importa.
É a inteligência, a lucidez, o brilho do raciocínio perfeito, rápido, imediato.
Fernando Henrique Cardoso é a modernidade, a contemporaneidade em pessoa.
E tem bom humor, o filho da mãe. Ao final de uma cansativa rodada de perguntas, em que os perguntadores falavam despudoradamente, excessivamente, cansativamente, alguém perguntou se ele estaria disposto a arregaçar as mangas. Apontou para as mangas da elegante camisa social de mangas compridas e fechou o papo:
– Eu vivo de mangas arregaçadas!
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Show de FHC terminado, fomos tomar cerveja, que ninguém é de ferro – e, diacho, como são simpáticas as pessoas que vão ouvir FHC falar!
22/2/2018
P.S.: É interessante notar, pelos comentários ao meu post no Facebook chamando para este texto, como FHC se tornou odiado pelos representantes de uma direita radical e raivosa.
“A elegância de um vaso de merda comunista”, escreveu uma figura educada. Outro corroborou: “Quando um pais chega ao ponto de achar um gagá o mais lúcido mostra bem o estado que se encontra a politica brasileira. Um defensor de Lula e tods escória socialista não merece ser chamado de lúcido.”
FHC tem agora virulentos opositores à esquerda e à direita. Mais uma prova de sua grandeza.
Síntese perfeita.
De acordo que os interlocutores falaram demais.
E que delícia de texto!!